Um país adiado

Este artigo parte de uma realidade incontornável: nenhum governo desde o 25 de Abril - ou seja em democracia - conseguiu encontrar um rumo aceitável para o país e fazer as reformas económicas, sociais e políticas que se impunham para tornar Portugal um país viável. Desde logo porque todos os governos trataram de desfazer o que havia sido feito pelos anteriores sem escolher as medidas que eram boas e as que eram más. Uma falta de triagem danosa para os interesses do país e quase sempre ditada pelas pressões ideológicas das nefastas máquinas partidárias sempre prontas a promover os seus em detrimentos dos outros, mesmo que se troquem competentes por incompetentes. A lealdade pode não ser uma virtude se for mal aplicada e premiada em benefício dos que não merecem.

Houve circunstâncias internas e externas melhores ou piores, governos maioritários estáveis e minorias políticas periclitantes, mais e menos dinheiro da União Europeia, algumas políticas positivas e inovadoras, mas enquanto sociedade não conseguimos dar o passo certo. Não conseguimos erradicar o amiguismo e o nepotismo na contratação, o despesismo desnecessário nos gastos, a prática da corrupção generalizada para facilitar e agilizar processos, a utilização para fins políticos das empresas públicas, a apologia do desenrasque tão português que se sobrepõe ao planeamento e à estratégia cautelosa e consistente, a prática do discurso político habilidoso para manipular a opinião pública. Talvem não sejamos a Grécia mas somos muito maus para nós próprios e somos um país adiado que não encontra a porta para um futuro radioso.

Depois da mais recente crise política em Portugal, ditada pela troca de governo que o PS promoveu por ter alcançado uma maioria no Parlamento, na qual quase ninguém acreditava - e estou a incluir os próprios partidos que a suportam -, o país dividiu-se em duas partes distintas: os optimistas incorrigíveis e os pessimistas empedernidos. Os primeiros olham de forma acrítica para as virtudes da actual solução governativa, salientando a estabilidade e o acordo histórico à esquerda, sem conseguirem ver os riscos das políticas em curso. E são muitos. Os outros acreditam que vai correr tudo mal, pior, desejam que isso aconteça, e não encontram nenhuma virtude na actual solução. Para estes, se corre bem a culpa é da conjuntura internacional que o governo não controla mas da qual beneficia de forma preguiçosa e, claro, do trabalho do governo anterior, se corre mal a culpa é toda de António Costa e sus muchachos e a conjuntura internacional já não é culpada de coisa nenhuma, porque já lá estava e o governo não quis ver e não contou com ela.

Estamos num ponto perigoso. O governo apostou na devolução de salários e pensões, no aumento do salário mínimo e na redução da sobretaxa do IRS. Ou seja, António Costa apostou todas as fichas no consumo interno. Ao mesmo tempo o investimento está anémico devido à falta de confiança no futuro do país, ditada em grande parte pela tal conjuntura internacional que deitou ao charco economias fundamentais para a economia portuguesa como são os casos de Angola, Brasil, Venezuela e China, além da União Europeia. Circunstância que ditou um abrandamento das exportações, porque a procura externa em relação aos produtos portugueses já conheceu melhores dias. É difícil criar emprego, pelo menos emprego de qualidade, a despesa aumenta mas a receita não segue a mesma trajetória da forma desejada. As perspetivas de crescimento já sofreram as tão temidas revisões em baixa e as agências de rating estão de tesoura em punho à espera da primeira oportunidade para mais um corte de nível.

Enquanto esperamos que tudo isto resulte, o governo acena com um ambicioso Plano Nacional de Reformas, que está cheio de boas intenções como todos mas que encerra os riscos que conhecemos. O maior de todos é que não chegue a ser aplicado e volte a ser a mesma folha de reduzidas dimensões que andou vários anos nas mãos de Paulo Portas sem nenhuma aplicação prática. Esperemos que não.

Os portugueses, embevecidos com um Presidente normal que parece uma pessoal real, apostam em Marcelo Rebelo de Sousa para duas coisas fundamentais: fiscalizar a atividade governativa e desmontar o otimismo que não corresponder à realidade e/ou colocar juízo na cabeça dos que são contra o governo em qualquer circunstância, mais preocupados com a vingança política do que com o futuro do país.

Os portugueses, que suportaram e aguentaram toda a carga de um violento programa de ajustamento que Sócrates aceitou tarde demais já não estão dispostos a grandes habilidades políticas. Porque estão mais informados que nunca e mais exigentes. Depositam muitas esperanças no Presidente que os diverte e que tanto se esforça por representá-los de facto, mas também não vão perdoar estratégias errantes e pouco consistentes que venham a sair de Belém. Os portugueses esperam muito do novo Presidente e desta solução governativa que parecia uma geringonça ingerível mas parece estar a andar com aparente tranquilidade.

Ou estamos no bom caminho, ainda que de forma lenta, ou a caminho de mais um desastre, mas os políticos que cá estão dificilmente voltam a passar em novo teste mesmo que adaptem o discurso à sua verdade conveniente. Se isto falhar tudo, falha a democracia, falham os partidos tradicionais e Portugal entra num ciclo de renovação total. De políticas, de lideranças e de protagonistas. Sejam do governo ou da oposição, tenham a consciência plena de que os portugueses não aceitam mais falhanços dos mesmos de sempre. Porque já não há mais margem de manobra nem paciência. E estar na oposição não será uma vantagem. Principalmente quando as medidas que são propostas ainda ajudam a criar mais instabilidade. É o caso da Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Apesar da aparente boa intenção - só aparente porque durante muitos anos nada foi feito para impedir o que se passava na CGD - deverá ter o resultado habitual das comissões de inquérito, ou seja nenhum, mas vai ajudar a dar cabo do que resta da frágil credibilidade da banca portuguesa.

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