Um rio navegável?

Olhando para o percurso político que teve até agora é fácil concluir que Rui Rio traz várias garantias à liderança do maior partido da oposição. Ética, honestidade, competência, rigor e coragem. Traz também alguma teimosia, obstinação e um discurso cristalizado que lhe poderá trazer problemas caso não saiba actualizá-lo e explicá-lo da forma mais clara. Tendo em conta os tempos que vivemos a nível global, e em certos domínios nacional, não são coisas de somenos importância.

Mas se Rio traz na bagagem muita experiência de gestão camarária e partidária, não tem experiência governativa, e esse é claramente o aspecto que lhe poderá trazer muitas dificuldades na difícil tarefa que tem pelas mãos, ainda que seja uma fragilidade relativamente fácil de ultrapassar. Na verdade, os corredores do poder autárquico não divergem muito - a não ser em dimensão, no nível de pressão e na complexidade dos dossiês - dos corredores do poder nacional ao mais alto nível, e a aprendizagem política é um processo rápido e fácil de assimilar para quem anda nestas coisas há tantos anos.

Talvez Rio tenha mais dificuldades em afirmar-se no partido do que no país, sabendo nós que na política os apoios internos são muito incertos e voláteis e normalmente desaparecem num ápice quando as dificuldades apontam para a impossibilidade de se alcançar o poder. Pedro Passos Coelho que o diga. A janela de oportunidade para o novo líder é muito curta, para criar a convicção na família laranja de que o partido está perto de voltar à governação, seja de forma solitária, seja em coligação com o PS, quando na verdade nenhuma delas se afigura provável no dia em que estamos com as actuais circunstâncias.

O principal objectivo social-democrata é encontrar um discurso claro e objectivo, que transforme o PSD num partido forte na oposição sem cair na tentação do "soundbite" ou do discurso fácil e populista que navega ao sabor das circunstâncias do dia a dia, ignorando as incoerências como se elas não existissem, e assumindo uma postura errante e pouco consistente que instala a dúvida nos que decidem eleições, o chamado eleitorado flutuante e indeciso. Para isso, Rio terá de encontrar um rumo definido, de afronta ao governo quando se justificar mas com a porta aberta a consensos sempre que isso significar a defesa do interesse nacional - é mais fácil ensaiar estes consensos na frente externa. Angola poderá ser um bom exemplo, com os políticos a terem de encontrar soluções que ultrapassem o diferendo entre Lisboa e Luanda sem que interfiram na esfera de competências do poder judicial, que parece irredutível na sua pretensão de não facilitar a vida aos angolanos que estão sob suspeita devido a desconfiança no sistema judicial de Angola.

Rui Rio terá de cumprir a sua principal promessa, unir o partido e apostar na competência e na meritocracia dos quadros, sem olhar a barricadas e a lutas passadas, evitando as purgas mas não tendo medo da renovação. É este imobilismo que muitas vezes acaba com projectos credíveis e que parecem de futuro. Terá de acabar com as suspeitas que existem na máquina laranja no que à manipulação de militantes diz respeito, com filiações suspeitas e casos como o de Ovar, onde há militantes inscritos numa morada que corresponde a uma casa que já não existe.

Terá de decidir o tom do discurso e o rumo da estratégia. Vai andar ostensivamente de braço dado com o CDS sem criticar o rumo centrista em nenhuma circunstância em nome de antigas alianças ou segue de forma solitária a caminho de um centro político mais consensual sem contudo fechar portas a novas coligações pós-eleitorais? Critica a esquerda de forma consciente e moderada ou avança para um discurso radical, desactualizado e irrealista contra a "extrema-esquerda" que é culpada de todos os males e "come criancinhas ao pequeno-almoço"? Tem de facto propostas concretas e exequíveis para o país que marquem a diferença em relação ao actual governo ou vai limitar-se às críticas à governação - e há tantas matérias sensíveis para o governo - acenando com alternativas que não concretiza? Saberá criar com António Costa uma relação que seja saudável ao ponto de construir pontes a caminho dos consensos que o país precisa sem que se crie a sensação de que está a ceder ou a fraquejar por falta de argumentos para combater na defesa de outras alternativas?

A relação com o Presidente da República vai ser uma das maiores dificuldades para Rio. Porque Marcelo Rebelo de Sousa é da mesma área política - já foi governante e líder do PSD -, tem nos seus poderes a possibilidade de fazer uma oposição efectiva ao governo sem que tenha de adoptar um discurso agressivo e radical, goza de níveis estratosféricos de popularidade e chega aos locais primeiro que toda a gente. Seria um suicídio optar por uma relação conflituosa até pela ausência de razões válidas, mas um relacionamento demasiado próximo e "íntimo" criará a sensação de que o país não precisa do PSD para fazer nada que Marcelo não possa fazer de forma mais rápida e menos conflituosa.

O PSD precisa muito rapidamente de uma agenda, clara, concisa e que vá de encontro aos descontentes com este governo. Uma agenda que seja incómoda para o PS e que seja suficiente para mobilizar o PSD. Uma agenda que se demarque claramente, nos objectivos e no estilo, da agenda do CDS, o partido que lhe ocupa as franjas mais à direita do eleitorado, que é liderado por uma mulher e que tem estado na primeira linha da oposição.

A janela de oportunidade é muito curta e Miguel Relvas já deixou o aviso: há um certo PSD que acredita que este líder poderá durar menos de dois anos. Cabe a Rio garantir que não está apenas de passagem e que, mesmo perdendo as próximas eleições, poderá continuar a liderar o único partido em condições de alternar com o PS na liderança de um executivo em Portugal. Com uma dificuldade acrescida: não é deputado e não poderá defender o partido no parlamento, no confronto directo com António Costa. Daí a importância de encontrar um líder parlamentar muito experiente, que seja a extensão de si próprio, capaz de enfrentar o primeiro-ministro ao mesmo nível e sem entrar na autonomia do grupo parlamentar.

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