A arte de engolir sapos

Os socialistas espanhóis asseguram que deram uma lição de democracia à política. No entanto, ao votar contra, na primeira votação, e ao abster-se na segunda, 48 horas depois, permitem a continuidade de Mariano Rajoy, revelam que não sabem o que querem, para além de salvaguardar a própria sobrevivência. Comprem antiácidos para os “sapos” que tiveram de tragar, os tempos que se aproximam não vão ser de fácil digestão!

Se Espanha enfrentasse terceiras eleições em dezembro poderia ser o descalabro total para um partido que já foi de González, pouco foi de Sánchez e, atualmente, não é de Senhor(a) algum. É aqui que está o problema, qual preocupação pelo bem comum.

Foi por esta razão que Pedro Sánchez, também ele agarrado ao poder, teve de ser “descolado” da cadeira de Secretário-geral do PSOE, onde o “no, és no” a Rajoy podia ser um bilhete de ida, com difícil regresso, para os bastidores da oposição, sem direito a voto na matéria.

Quanto aos eleitores, pouco ou nenhumas razões tinham para preocupar-se. Aliás, em Madrid, reina uma espécie de descontração desconcertante. Pudera, passados mais de 300 dias, quase um ano sem Governo, sem uma única lei nova, o crescimento económico pujante de Espanha promete ultrapassar o da França e da Alemanha. As exportações estão em alta. A taxa de desemprego, uma das mais elevadas da União (25,1% em 2015 e 23% no primeiro trimestre de 2016) baixou, espante-se, para 18,9%. O valor mais baixo dos últimos 6 anos é revelado hoje pelo INE espanhol, exatamente no dia em que Rajoy vai ser “chumbado” para, daqui a 2 dias, ser viabilizado pelos mesmos que hoje o contestam. Confuso, não? 


O FMI fala no maior crescimento da economia espanhola desde a crise de 2008: 3% que podem provar que um país sem Governo também está longe de alguns imprevistos… aumentos de impostos, promessas que não são cumpridas, intervenções na Banca, alterações legislativas, medo, inconstância. Os espanhóis têm feito a vida que gostam, entre canhas e tapas, vão tecendo críticas aos políticos e aos antigos políticos que, neste momento, se sentam no banco dos réus, nos mais diversos processos de corrupção.

Esta “preocupação nacional” do PSOE pode sair-lhe cara. Já são conhecidos pelo #abstencionasso, a expressão domina as redes sociais. Se os socialistas catalães e alguns dissidentes da atual direção (em funções) cumprirem a promessa e furarem a disciplina de voto, os socialistas correm o risco de passar a terceira força política no Congresso dos Deputados. 

Os estatutos do partido preveem a expulsão desses deputados do grupo parlamentar do PSOE para um grupo misto. Ora, se 17 deputados incumprirem essa ordem, os socialistas podem enfrentar o temido “sorpasso” das eleições de junho, ser ultrapassados pelo Grupo do Podemos, que passará a ter maior controlo nas sessões de quarta-feira, confrontando o Chefe do Governo, assim como na apresentação de iniciativas parlamentares.

Comprem antiácidos! A lição de democracia pode trazer muita azia.

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