Morrer na estrada e outras coincidências tristes...

Foram 13. Morreram 13 ao quilómetro 333 da AP-7, perto de Tarragona, Espanha. Eram todas mulheres. Todas eram jovens. O condutor do autocarro terá adormecido ao volante. Seguiam 13, morreram 12, perto de Lyon, França. Eram todos portugueses. A carrinha onde viajavam tinha capacidade para 6 pessoas. O condutor tinha 19 anos, a idade da vítima mais nova do desastre em Espanha.

No espaço de 5 dias, para além da coincidência dos números, estes dois acidentes demonstram, mais uma vez, que sempre pensamos que "as desgraças só acontecem aos outros". Tristes coincidências. Triste fim para 25 vidas, confiadas a outros sem, no entanto, zelarem pelo seu próprio destino.

Acordei inquieta com o telefonema. Um autocarro, cheio de estudantes de todo o mundo, do programa Erasmus, tinha-se despistado perto de Tarragona. Havia um número indeterminado de vítimas mortais. Não se sabia se, entre eles, estavam portugueses. Entre contactos, diretos ao telefone e alguma inquietação escolhi duas "mudas de roupa" e lancei-me ao caminho. Estava a seis horas do malfadado km 333, do local do desastre.

Naquele domingo soalheiro, enquanto seguia ao volante, não parava de pensar no destino. Não sabia quantas eram, ou de onde eram, as vítimas. Os dados atualizavam-se para depois se contradizerem. A realidade era demasiado dramática para avançar qualquer informação sem 100% de certeza. Um autocarro com cerca de 60 estudantes, de universidades de Barcelona, regressava de uma visita às festas tradicionais do dia de São José, em Valência, quando cruzou o separador central, chocou com um ligeiro... espalhou a morte. Um dado era certo, muitos dos passageiros não levavam cinto de segurança.

Acordo inquieta com o alerta no ecrã do telemóvel. Uma carrinha ligeira, sobrelotada de passageiros, despistou-se em Moulins, perto de Lyon. É sexta-feira Santa. Sabe-se quantos morreram e a nacionalidade das vítimas. 12, todos portugueses. Ao volante ia um jovem de 19 anos. Foi o único sobrevivente. Faltavam-lhe dois anos para conseguir a habilitação que permite ser motorista profissional. Em Portugal, tal como em França, a lei não deixa que alguém com menos de 21 anos conduza uma viatura de transporte de passageiros. Há, decerto explicação para isso, é preciso alguma experiência na estrada, maturidade, reflexos para reagir em caso de emergência.

As autoridades falam na não utilização dos cintos. Pudera, numa viatura para 6 pessoas, onde viajam os outros 7 passageiros? Mais do dobro e com um reboque atrás. Porque pensamos que as desgraças só acontecem aos outros? Porque razão brincamos com a nossa vida e com a vida dos outros?

Naquele domingo em que viajei para Tarragona, levava o cinto apertado, como faço sempre quando conduzo. Confesso que já viajei de autocarro ou no banco de trás de um ligeiro sem ele. Mea culpa. Não podemos facilitar e foi, exatamente, nisso que pensei no longo percurso que me levou ao hotel onde descansavam os poucos estudantes que sobreviveram ilesos ao desastre, antes da mórbida e triste tarefa de reconhecer os corpos dos amigos.

Foi lá, nesse mesmo hotel, que dormi nessa noite. Horas depois de, no km 333, 13 raparigas perderem a vida, deram-me o quarto n.333.

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