“Revolução” na Catalunha

Estou desde segunda-feira na Catalunha profunda, tendo percorrido aldeias e vilas nas montanhas e passado pelos grandes centros urbanos nos treinos do Rali da Catalunha. Fiquei surpreendido com a dimensão do movimento pela liberdade, que ultrapassa a importante questão da independência.

Há um sentimento de revolta com a ação das autoridades de Madrid, do Rei, das polícias nacionais, que o povo simples exterioriza com bandeiras, cartazes feitos á mão, marchas junto às principais vias e nos centros das aldeias no dia da greve geral.

Estava efetivamente tudo fechado. Os agricultores parados na beira das estradas com os tratores coloridos com as cores da Catalunha. Os camionistas em marcas lentas, que ninguém levou a mal. Há um profundo e preocupante sentido de revolta com a atitude do Governo central, que os jovens amplificam com um puro sentimento de utopia na criação de uma república cheia de oportunidades e sem qualquer limite de uma entidade que consideram estrangeira.

Os mais velhos, recordam as batalhas pela democracia, e as feridas de outras guerras, ainda tão próximas. Hoje, perto de Lleida, a primeira cidade a ser bombardeada indiscriminadamente pelos Franquistas e Alemães durante a guerra civil, parámos para comer alguma coisa.

Na tasquinha de beira de estrada um homem de olhos na televisão, enquanto a filha, atarefada, ia servindo os muitos que ali chegavam. Ele via as últimas de Barcelona e aplaudia. Meti conversa e o taberneiro pegou no telemóvel e mostrou-me os vídeos do último domingo, onde todo o povo cercou a escola para votar enfrentando a Guarda Civil. A filha entrou na conversa para lamentar o discurso do Rei e a justificar a necessidade de uma república onde todos sejam eleitos.

Democracia é a palavra mais ouvida. Eles estão num processo revolucionário, com cravos, cantam o nosso Grândola e confesso que me emociona ver uma movimentação popular com esta dimensão. Não sei onde isto vai dar, acho que nem estes com quem me cruzo nesta semana, mas fica bem claro que a Espanha centralista perdeu este povo que está na rua e não me parece que vá desistir.

A “revolução” está mesmo em todo o lado e é muito mais que aquilo que vemos em Barcelona. Este povo não quer mais esta Espanha e abriu todas as feridas e fantasmas que mantiveram o reino unido no medo de Franco e no sonho de muitas autonomias em democracia. Hoje a realidade é mesmo outra e aqui está em marcha um gigantesco movimento popular que não será fácil de travar.

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