E o vencedor é...

Diz-se - e aceita-se habitualmente sem discussão - que os segundos são os primeiros dos últimos. E, nesta desenfreada corrida ao ouro que fazemos questão de assumir como Vida, já não basta conseguir mesmo encontrar ouro. Tem que ser muito, mais que todos, ou até parece que sendo apenas algum, ele deixa de luzir. A propósito de mais...

Tenho a teimosa mania de apreciar cada vez mais a tendência para me sentir mais confortável em minorias. Desconforta-me o conforto da protecção plena, o quente do rebanho, o seguro contra todos os risco, ir no meio da manada sem vento na cara. Assim, ganhei o hábito de procurar excepções que me permitam duvidar da verdade feita ou construir uma dúvida verosímil. Plantar interrogações em pontos finais.
O mais irónico é que encontrei terreno fértil para isso... no Desporto. Na alta competição. Aí mesmo. Onde ser primeiro é - sacrossanto princípio- o fim.

Falemos de ciclismo, de primeiros e segundos. O meu caso de estudo de hoje chama-se Cândido Barbosa. Diz-se que, em Portugal, ou ganhas a Volta ou é como se não tivesses ganho nada. E se ganhou sempre muito, o bom do Cândido! Desde os 11 anos, esse herói raçudo da Rebordosa barbeou desafios a pente zero. Há provas estatísticas de que era intratável no sprint, chegou a fazer o pleno em algumas competições. Barba e cabelo, tudo dele.

Mas... Não foi isso que lhe deu notoriedade única. Não. Porque não foi na Volta... Os portugueses têm um amor louco pelo ciclismo, mas esse chega-lhes em massa com os calores de Julho e Agosto. Esvai-se com o primeiro fresco de Setembro, gela no Inverno, regressa a ferver no Tour do Julho seguinte. Sem acesso à Volta a França, não restou opção ao grande Cândido: tinha era que ganhar a Volta.

Reconfigurou-se. Fez de si um corredor diferente para a ganhar. 2005 é O ano em que o Cândido decide ganhar a Volta. O seguinte ao do Euro de todos os portugueses. Milhões de bandeiras prontas a regressar à rua, um aninho de armazém sem mofo, orgulho nacional cheio de tudo e nem um cheiro a crise. À segunda etapa, o Cândido ganhava a sua primeira desse ano. À terceira etapa, na Serra, um russo chamado Vladimir Efimkin, mostrou que - raios o partam! - decidira fazer o mesmo que o Cândido. O português não o deixou rir. Ganhou mais duas etapas. Aquela era a sua Volta, caramba!! Viu-se-lhe tanto querer que as bandeiras do Euro 2004 regressaram. Era uma loucura. Abraços, gritos de apoio. Fotos, primeiras páginas. Entrevistas. Gritos meus, a narrar o modo heróico da coisa. O Cândido brilhou, caramba. Premio dos pontos. Segurou-se na Sra da Graça. Foi segundo no contra relógio final, fez das tripas coração. Emocionou-se e emocionou a nação.

O russo? Não ganhou nem mais uma etapa. Nem perdeu a liderança, do tal terceiro ao último dia. A estatística? Diz que Efimkin ganhou aquela Volta. O retorno mediático? O mimo? Foram do Cândido. Os abraços? Do Cândido. O beijo do filho de 5 anos? Outro troféu do Cândido. A multidão? Gritou Cândido. A televisão? Entrevistou o Cândido. As primeiras páginas? Mais Cândido. Por 34 segundos, fica nos números exactos do arquivo, foi o russo ganhou. E ganhou tão bem! Hoje, o tempo apagou o poder dos segundos, o nome Efimkin dir-lhe-á algo agora porque o reescrevo. Já nome Cândido Barbosa dir-lhe-á...? Isso!!

Bem... feita esta volta, cheguei ao ponto que queria. Parece-me claro que, em 2005, o Cândido também ganhou a Volta. E se um segundo pode ganhar uma Volta, se um primeiro a ganhou com tanto mérito, por poucos segundos... porque raio não haverá apenas motivos para festejar, no próximo fim de semana - com paixão genuina - que, no futebol, os dois primeiros tenham feito um campeonato tão bem feito?

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