O Mundial sobre rodas

Quando o melhor do Mundial pode ser off sem voz.

A vida farta-se de lhes dar curvas apertadas, talvez por saber que eles, nem que seja à última, conseguem segurar-se nelas. Aceleram, derrapam... metem uma abaixo e seguem. Não gastam pastilha de travão. Um é o companheiro mais que cavalheiro e exemplar da equipa. O outro, camarada e generoso, quando se zanga, buzina mas não pára, acelera outra vez.

Pilotou desde miúdo. Andou "a abrir" naquele mundo doido com cheiro a benzeno. Já andei com a vida nas mãos dele e nunca senti insegurança. Amei.

Foram os Volantes, Motores e carros que os trouxeram para casa. Roncantes, abruptos, depois  vendidos... Cumprir a sua vocação: os carros foram a toda a brida para todos os lado da TV fechada ou paga. Pouca potência ficou livre, mas eles são donos e senhores dela.

Se os ralis, a F1-  e o mais que fosse dessa laia - voltassem em força, tenho a certeza de que a ninguém pareceria que alguma vez daqui tivessem saído. Graças a eles. Mas não.

Quem voltou a casa, até 13 de Julho, vendida como é, foi a bola.

Não conheço muitos casos, aliás não me ocorre mais nenhum, em que jornalistas especialistas, autoridades no mundo dos carros, sejam capazes de tratar tão bem a bola.

O Paulo Solipa tanto fez 52 minutos de Imola na semana passada, como o resumo da Alemanha anteontem, como a peça da selecção desta noite. E uma antevisão de amanhã...

Quando desenhei com o Manuel Silva o quem-faz-o-quê deste Mundial na redacção multiespecialista liliputiana, não hesitei em sugerir o João Paulo Almeida - e o Manuel não hesitou em concordar - para uma das tarefas mais cruciais, complexas e bolísticas da operação editorial deste Mundial:

Chamamos-lhe "pintas".

Não a ele: ao que faz.

Explico, pois. Os "pintas", são a cor que vos entra em casa. Aquele lance de que fala o mister, e que está lá quando ele o cita. Se parece acaso, é porque foi bem feito. O golo certo no momento exacto da conversa. O filme do Ronaldo quando o tema é Ronaldo. O Meireles, o Postiga, a lesão dele e a do Coentão. O penalti ou não. A transição e a basculação, a imagem que explica a lição. Aquilo que faz a diferença. O "pára aí, que esta imagem explica o buraco entre aquele e o outro", a táctica que o Carlos Daniel descodifica, exímio e fácil, porque com ele ou sem, o João a encontrou, isolou, escolheu ou recolheu, editou e pôs lá.

As imagens que correm certeiras no monitor do estúdio, secundárias ou a cheio no videowall, no teu televisor.

O meu conforto na régie caótica, o faz sentido que está à distância de um telefonema vital. Como é bom ter as costas defendidas assim. Naquela multidão de feeds, gritos e silêncios preocupantes, solucões planeadas ao segundo, a seguir a Portugal-EUA (por exemplo), confia João: és, foste, serás o sniper de que eu precisava, tive, tenho para me sentir em casa. És!

Confesso: tenho agora meias-lágrimas de gratidão. Neste como naquele momento. O bom sabe tão nem...  Há pouco, na minha correria, estaquei e guardei uma imagem. Tenho pena de não ter feito logo a foto exemplar:

O Carlos Daniel e o Paulo Fonseca discutiam um lance, sentados em frente ao monitor do computador do João, que ele cedera de pronto para os deixar espreitar, validar, "comprar" o seu mais recente trabalho. Certeiro, como se fosse o roadbook de implantação de câmeras do último Rali de Portugal. Escuta, aprende, ouve. Sabe cada mais, confia cada vez mais, entende cada vez melhor. E faz mais, ainda mais, duas ou três versões na timeline. 16:09, 4:03, ambas, todas.

Mais um "pinta", num trabalho cheio de pinta. E as curvas apertadas, tão apertadas, lá no outro lado do seu dia, parece que não existem. Deus é bom para mim, que olhe e veja como ele merece que seja bom para ele.

Dia 13 de Julho, quando a "bola com todos" voltar a sair porta, fora tão veloz como voltou, em busca dos euros dos que os têem, podem ter a certeza que o jornalista da RTP que mais jogos viu, conferiu, "descascou" neste Mundial de Futebol foi um especialista em Mundial... de Ralis. 

Paulo Solipa e João Paulo Almeida: Quem dera à própria bola ser eclética, capaz de tanto renascer e se reinventar?  Quem mais se poderá gabar de ter uma equipa do Mundial assim? Pequena gigante, trunfo improvável ou não? ...Que esgota tudo o que tem, excepto sono e folgas?

Estou e sou fã. Vocês? Talvez não saibam quão grande é o obrigado que eles merecem. Tão bom que é coordenar. E poder escrever verdades assim.

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