A evolução humana

Feministas indignadas com os apetites insaciáveis de Harvey Weinstein atiram-se à Cinemateca de França porque quer exibir Polanski. O bichinho carpinteiro da censura está sempre à espreita e nunca perde uma oportunidade.

Um amigo contava-me, há dias, que, uma vez, em Barcelona, um taxista, olhando para alguém que passeava o cão e, civilizadamente, apanhava do passeio os presentes do animal, saiu-se com esta: “Olhe para a evolução humana! O homem evoluiu ao ponto de apanhar a m…. dos animais! Está bem que ele tem uma luva, mas… É assim! Aí tem a evolução humana!”

Vem isto a propósito de uma manifestação, esta segunda-feira, em frente à Cinemateca de França, porque a veneranda instituição parisiense teve a ousadia de organizar uma retrospetiva do cinema de Roman Polanski, o cineasta que está acusado, nos EUA, de violação de menores.

A manifestação é organizada por um grupo patuscamente denominado “Ousai o Feminismo” e o escândalo é porque Polanski é um “violador pedocriminal que fugiu dos EUA para escapar à justiça”. A Cinemateca francesa leva com o rótulo de “instituição pública que participa na cultura de impunidade dos violadores”. Que gritem contra a impunidade de Polanski ainda se admite, mas o ataque à instituição é de arrancar os cabelos.

Para estas boas consciências, ser-se o realizador que Polanski é é apenas um detalhe. “O tempo do silêncio face aos ataques sexistas terminou”, avisam as destemidas almas feministas que querem banir Polanski. Que seja. Mas o que é que isso tem a ver com cinema? Devemos renunciar a ver, em público, A Semente do Diabo ou Chinatown? Contentamo-nos com ver O Pianista em casa, na clandestinidade, e com o som no mínimo não vá uma vizinha ofendida ouvir e denunciar-nos à polícia?

Por agora é só Polanski, mas, se pudessem, estas “ousadoras do feminismo” faziam uma razia de alto a baixo no mundo do cinema, que acusam de estar minado de Harvey Weinsteins e misoginia. Lars Von Trier, que Björk, incentivada pelo coro contra Weinstein, acusou de assédio durante as filmagens de Dancer in the Dark, era já o próximo a levar o cartão vermelho.

Para não ser acusado de machismo, diriei apenas que estas feministas não distinguem o bebé da água do banho. Vai tudo pelo cano. Se levarmos a loucura ao extremo, o que fazemos com Caravaggio, por exemplo? Ele batia em tudo o que mexia. Banimos Caravaggio? Cellini, que esculpiu o Perseus Com a Cabeça de Medusa e o Cristo do Escorial, era ainda pior rês. Matou repetida e impunemente. Foi acusado de sodomia de mulheres e jovens rapazes. Uma antiga modelo e amante acusou-o de abusar dela “à moda de Itália”. E ainda se gabou de tudo isso na sua autobiografia. Era um pervertido confesso que só escapou a uma execução por ser o artista de génio. Cobrimos o Perseus e o Cristo com uma manta?

E Picasso, esse receptador de estátuas ibéricas roubadas do Louvre que acabaram no seu atelier a servir de inspiração à sua arte revolucionária? Churchill ordenou o bombardeamento desnecessário de Dresden, matando milhares de pessoas, e nunca pagou por isso. Proíbe-se a exibição pública das paisagens impressionistas que pintou? E das aguarelas de Hitler nem falar. Os olhos deviam cegar a quem cometesse o crime de olhar para elas. Se isto é evolução humana, não quero obrigado.

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