E o ilustre desconhecido que vai para secretário-geral da ONU é...

A candidatura à liderança das Nações Unidas parece sempre uma corrida entre segundas e terceiras linhas da política internacional. O cargo está talhado para figuras reverenciais, referências morais sem verdadeiro peso político.

Repare-se nalguns dos nomes que fazem frente a António Guterres na corrida para secretário-geral da ONU: Danilo Turk, Irina Bokova, Vuk Jeremik, Helen Clark, Vesna Pusic, Susana Malcorra, Natalia Gherman... Quem?, perguntarão. Pois... Não desmerecendo as eventuais qualidades destes ilustres desconhecidos – até porque a notoriedade não é obviamente condição do mérito –, o certo é que nenhum parece apresentar propriamente um peso político que se veja, a nível internacional.

António Guterres terá sido um excelente alto comissário para os refugiados. Helen Clark, de quem ouvimos falar mais do que duas ou três vezes por liderar o PNUD, terá igualmente os seus méritos. Irina Bokova, à frente da UNESCO, teve até o “desplante” de aceitar a Palestina na organização, contra a vontade da Inglaterra e do Reino Unido. Mas é difícil afastar a ideia de que o cargo de Secretário Geral da ONU está reservado para quem se mostre capaz de melhor interpretar o papel que Ban Ki-moon tão bem representou, nestes dez anos, de figura decorativa e boa consciência internacional, sempre pronto a condenar os males do mundo – Kofi Annan foi outra história, e talvez por isso tivesse vindo Ban Ki-moon a seguir.

Dá a impressão de que se prefere sempre para chefe da ONU alguém que conhece os cantos à casa, sabedor das linhas com que as coisas se cosem ali dentro. António Guterres esteve dez anos como alto comissário para os refugiados. Danilo Turk, segundo classificado na primeira votação secreta do Conselho de Segurança, é um veterano da ONU e foi adjunto de Kofi Annan – depois foi presidente da Eslovénia, mas como não conseguiu a reeleição, em 2012, aspira agora a ser secretário-geral das Nações Unidas. Irina Bokova está há sete anos na UNESCO. Helen Clark há outros sete no PNUD. Serjm Kerim e Vuk Jeremik foram presidentes da Assembeia Geral da ONU. E, dos 12 candidatos, estes foram os seis mais “encorajados” – para usar a gíria da tribo – a levarem a corrida à liderança até ao fim.

O verdadeiro poder, nas Nações Unidas, está no Conselho de Segurança. Mesmo a escolha do secretário-geral é feita, na realidade, pelo Conselho de Segurança, que é quem “encoraja” ou “desencoraja” as candidaturas, em votações secretas que são apelidadas de “não oficiais” mas que produzem normalmente apenas um “encorajado”, destinado a ser coroado pelo voto dito “oficial” da Assembleia Geral. O próprio presidente da Assembleia Geral, Mogens Lykketoft, já criticou a falta de transparência do processo.

António Guterres ganhou, pois, a primeira votação. Mas, cuidado, a eleição não está no papo. Apesar de ter sido o único candidato que não recebeu qualquer voto de “desencorajamento”, na primeira votação do Conselho, parece que a Rússia deixou claro que prefere, desta vez, um candidato do Leste da Europa. E a Foreign Policy garante que o representante russo deixou “visivelmente agitado” a sala onde ocorreu a votação.

É claro que, se Guterres vencer, isso encherá de orgulho qualquer português que se preze de o ser – não tanto quanto Portugal ser campeão da Europa de futebol, mas ainda assim. Só que, convenhamos, falar em prestígio para Portugal parece ser um pouco excessivo. A menos que consideremos que o facto de Ban Ki-moon ter sido secretário-geral nestes dez anos trouxe mais prestígio para a Coreia do Sul. E pago um almoço a quem souber apontar de cor, no mapa, onde fica o Gana, a prestigiada pátria de Kofi Annan.

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