Eu vi o futuro

Adivinhar é proibido, mas esta semana estiveram em Lisboa dois homens a quem, com alguma facilidade, podemos reconhecer uma aptidão especial para antecipar novos rumos para o jornalismo, num futuro que pode não estar tão distante quanto isso. Pela simples razão de que são homens profundamente embrenhados nesse futuro em construção. RB Brenner e Cameron Blake vieram falar-nos do que andam a fazer com a Realidade Virtual em âmbito jornalístico. E o que ouvimos foi... WOW!

RB Brenner foi jornalista do Washington Post e é agora diretor da Escola de Jornalismo da Universidade do Texas, em Austin. Sentiu as primeiras experiências de Realidade Virtual na Universidade de Stanford, em 2010, e deixou-se convencer sobre o potencial da aplicação dessa tecnologia ao jornalismo quando experimentou as reconstruções hiper-realistas da jornalista e investigadora Nonny de la Peña, da Universidade do Sul da Califórnia. Vive, desde 2014, na Universidade do Texas, fascinado pelo desenvolvimento de novos projetos jornalísticos em Realidade Virtual.

Cameron Blake é responsável pela área de Realidade Virtual e Media Imersivos do Washington Post e é um mago da reconstrução de situações em 3D e em vídeos de 360 graus. Blake trabalha em estreita cooperação com RB Brenner, no âmbito da parceria estabelecida com a Escola de Jornalismo da Universidade do Texas para a criação de produtos e conteúdos multimedia para o Washington Post. O dono do Post é o milionário Jeff Bezos, portanto não falta dinheiro para a aposta multimedia.

Blake e Brenner estiveram ambos na segunda de quatro conversas sobre o futuro do jornalismo que o iNOVA Media Lab, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, está a organizar na Fundação José Saramago. E o panorama que nos deixaram sobre o “state of the art” da Realidade Virtual aplicada ao jornalismo, nos EUA, foi de cair o queixo. Não que todas as redações americanas estejam, neste momento, em condições de trilhar esse caminho, pois muitas lutam até para pagar a luz. Mas várias, como a do Washington Post, ficou claro, estão realmente muito avançadas nestes domínios. E continuam a tentar inovar.

Cameron Blake contou que a redação do Washington Post tem 66 engenheiros informáticos envolvidos na produção de conteúdos editoriais multimedia, a que acrescem os alunos da Universidade do Texas que participam no grupo de RB Brenner. O primeiro grande resultado desta parceria foi uma Viagem a Marte que, vista através da melhor tecnologia atualmente disponível – Oculus Rift e placa gráfica NVIDIA –, leva-nos diretamente para o Planeta Vermelho como se fossemos um Mars Rover.

Outras experiências imersivas têm sido feitas com recurso a Realidade Virtual ou a vídeos de 360 graus, como as de Nonny de la Peña com Guantanamo e um campo de refugiados sírios; ou outra do Washington Post num Caucus no Iowa; ou outras mais questionáveis como a tentativa de Dan Arthur de recriar o tiroteio que matou Michael Brown em Ferguson, no Missouri, com base em testemunhos subjetivos do Grande Júri.

António Câmara, da Y Dreams, também participou na conversa e citou um antigo aluno que anteviu um mundo como uma “Rosa Púrpura do Cairo” ao contrário. Nesse filme de Woody Allen, um ator sai de um filme que é projetado numa tela de cinema e embrenha-se no mundo real. Na visão desse aluno, seria um dia possível fazer o percurso contrário, entrar no filme. É esse mundo que a Realidade Virtual se prepara para nos oferecer.

A visão de RB Brenner e de Cameron Blake sobre a utilidade de tudo isto para o jornalismo é bem clara: levar as pessoas para dentro de lugares aos quais, de outra forma, dificilmente poderiam aceder. “Teletransportá-las” para os lugares da notícia, através dos óculos de Realidade Virtual, que estão cada vez mais baratos no mercado. A atenção da Universidade do Texas e do Washington Post às últimas inovações tecnológicas, em particular na captação de audio e vídeo, é total. Há um compromisso absoluto com a ideia de tornar a Realidade Virtual cada dia mais real.

RB Brenner, Blake e Câmara fizeram desfilar, na Fundação José Saramago, um conjunto de premonições sobre a Realidade Virtual que se diria tiradas de um filme ou livro de ficção científica. Interagir com pessoas reais como nós em modelos de Realidade Virtual. Jogar online com o amigo que mora noutra cidade e estar com ele ali na mesma sala. Acompanhar no “green” um torneio de golfe, através de câmaras instaladas nos “caddies”, e levar com mensagens publicitárias do tipo: “Este taco é da Nike! Custa tanto e pode comprá-lo no lugar X!” António Câmara não tem dúvidas de que a publicidade vai enxamear essa terra prometida da Realidade Virtual.

E em Portugal? Ouvindo o que se disse na Fundação José Saramago, a sensação , ao sair da sala, era a de que, como diria o meu amigo Henrique Amaro, no respeitante às tecnologias, andamos a lançar foguetões de papel.

pub