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Livrem-nos destes TTIPos

Para que não restem dúvidas sobre o que move hoje o mundo é ler os documentos que foram agora revelados pela Greenpeace acerca do TTIP, o acordo de comércio livre entre os EUA e a UE. No maior secretismo, ditado pela administração do bem amado Obama, uma mão cheia de políticos e burocratas, conluiados com interesses corporativos, preparava-se para nos pôr essa “criança” nos braços, mandando para as calendas as regulações europeias de proteção do ambiente e dos consumidores.

Lê-se e não se acredita. O documento que serviu de base à última ronda de negociações do TTIP, em abril, em Nova Iorque, é um manancial. Um texto, note-se, que foi mantido em segredo por vontade expressa da Casa Branca e que só se tornou público graças a uma fuga de informação. Para começar, sobejam referências à necessidade de ouvir as indústrias antes de tomar decisões e prevêem-se instâncias de arbitragem feitas à medida das empresas cujos lucros sejam afetados pela adoção de políticas públicas.

Fica claro, igualmente, que, para as negociações poderem avançar, é necessário que a Europa “baixe a guarda” em matéria regulatória. Os países europeus têm regras mais estritas sobre químicos, cosméticos, pesticidas ou transgénicos – classificados, eufemisticamente, como “Agricultura Tecnológica Moderna”. Não permitem, por exemplo, testes em animais para a produção de cosméticos ou a importação de carne americana tratada com hormonas. E isso é visto pelos EUA como “barreiras ao comércio”.
  
O documento não é conclusivo sobre a proteção do ambiente e dos consumidores, mas as posições americanas vão sempre no sentido de se baixar os padrões existentes e de não se aprovar novas regulações, a menos que sejam “estritamente necessárias” e sempre mediante “análises prévias de custo-benefício”. O texto aponta para uma redução da proteção ambiental de ambas as partes, sem ter em conta sequer o recente Acordo de Paris para a redução das emissões de CO2, pelo qual Obama tanto se bateu.

Pasme-se, mais ainda. O que é considerado indispensável para se alcançar um acordo é a fixação de um padrão regulatório comum, num processo em que os EUA podem influenciar as decisões europeias, participando com peritos nos debates, mas “sem reciprocidade”! Mais não houvesse e tanto bastaria para justificar as resistências europeias a um acordo. Porém, o documento revela que a Comissão Europeia considera a administração americana como a única relevante para fixar os padrões regulatórios...

Era isto que estava a ser congeminado. Era isto que Obama e Merkel tanto queriam que se aprovasse antes do final do ano, indiferentes aos protestos dos milhares que, por toda a Europa, se queixam da opacidade em torno do TTIP. Aliás, toda a Europa não. Por cá o assunto parece despertar pouco interesse, talvez por estarmos demasiado ocupados com a gesticulação de um apresentador quando exibe os números da dívida, ou com o que dizem João Gabriel e Octávio Machado neste escaldante final de campeonato.

O TTIP, tal como está, parece comprometido e ainda bem. François Hollande não lhe assinou a certidão de óbito mas quase. Quando se avizinham eleições nos EUA, em França e na Alemanha, não é plausível que os políticos insistam em remexer nesta lama. Sobrando de tudo isto a ideia de que também Jefferson, Quincy Adams ou Woodrow Wilson eram “imperialistas” mas pelo menos eram-no em nome de uma universalidade ética, de uma promoção dos valores da paz, da democracia e da liberdade.

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