Nem a rainha escapa

Agora, com os ‘Paradise Papers’, até Isabel II caiu na teia das ‘offshores’. Mesmo não havendo ilegalidades comprovadas, existe o problema ético. E o entranhar da ideia de que há uma realidade fiscal para os ricos e poderosos e outra, bem diferente, para os comuns mortais que pagam impostos.

Não se sabia mas também a entidade que gere a fortuna da rainha de Inglaterra recorreu às intrincadas teias utilizadas por particulares e empresas de todo o mundo para pagarem o menos possível em impostos. Os novos documentos agora revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) demonstram que essa entidade investiu milhões de libras num fundo das Ilhas Caimão e que parte desse dinheiro foi inclusivamente parar aos cofres de uma empresa britânica de retalho, a BrightHouse, recentemente condenada em tribunal a devolver mais de 16 milhões de euros a clientes que iludiu e enganou, alguns até com problemas mentais diagnosticados.

A empresa responsável por multiplicar os milhões de Isabel II alega que o investimento na BrightHouse é “negligenciável” e assegura que não obteve benefícios fiscais com os investimentos offshore. Mas o problema é mais amplo e já está a ser levantado pelas organizações que, no Reino Unido, fazem campanha contra os paraísos fiscais. Presume-se que o dinheiro da rainha deva ser investido de forma transparente e ética. Como é então esse dinheiro investido, afinal? Como são taxados os proveitos? E será que houve tentativas de influenciar o governo britânico na regulação das offshores?

A Appleby, a sociedade de advogados e consultores da qual saiu a maioria dos documentos que foram agora revelados, diz que analisou as alegações do ICIJ e acredita que elas são “infundadas”, porque “baseadas numa falta de compreensão das estruturas legais e legítimas utilizadas no sector offshore”. Mas o que pensarão disso aqueles que pagam impostos e que não podem escapar às suas obrigações fiscais e contributivas? O que pensarão da Appleby, que ajudou a registar mais de 120 mil particulares e empresas em 19 offshores, mesmo que o tenha feito em escrupuloso cumprimento dos regulamentos dos paraísos fiscais, como diz?

Entre esses 120 mil nomes estão a rainha Isabel II, multinacionais como o Facebook, o Twitter ou a Nike, um conselheiro do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, estrelas rock como Bono e uma grande parte da entourage de Donald Trump, como o secretário de Estado, Rex Tillerson, antigo quadro de topo da ExxonMobil; o secretário do Comércio, Wilbur Ross, participante em negócios com aliados russos de Vladimir Putin que estão sob sanções dos EUA; ou o próprio conselheiro económico de Trump, Gary Cohn, principal mentor da reforma fiscal que está em discussão no Congresso e antigo chefe do Goldman Sachs. Todos, de uma forma ou de outra, surgem ligados à miríade de esquemas de engenharia fiscal que passam pela utilização de offshores.

Esses esquemas podem ser legais e legítimos, como alega a Appleby. Mas o contribuinte médio, que paga impostos, pensa é se o sistema é justo e se merece a confiança das pessoas. Se ele é ético. É que quem recorre a esses instrumentos, mesmo sendo legais, escapa às responsabilidades colectivas perante o Estado. E estabelece um exemplo, a partir das elites, que pode ser seguido pelas restantes camadas da sociedade. Depois das SwissLeaks, dos LuxLeaks e dos Panama Papers, estes Paradise Papers vêm relembrar-nos duas coisas: uma é que existem uma desigualdade e uma degradação ética, representadas nas offshores, que continuam a prevalecer; a outra é que os populismos costumam aproveitar-se disso, abanando os regimes.

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