Em direto
Portugal comemora 50 anos da Revolução dos Cravos. Acompanhe ao minuto

Portugal não é o quê?

Um Presidente eleito pela televisão disse a outro Presidente eleito pela televisão que Portugal não é os EUA. Mas parece.

Portugal foi afastado do mundial de futebol mas podemos dormir descansados. Não nos falta o alimento para a chama patriótica. Vão continuar a vir resmas de turistas, porque continuamos a ser o melhor destino turístico da Europa. E temos um Presidente que chega para Trump.

Os vindouros hão-de celebrar o dia em que Marcelo Rebelo de Sousa quase derrubou o nosso facínora americano de estimação com um aperto de mão e, como se não bastasse, ainda o humilhou em sua própria casa, dizendo-lhe que tirasse o cavalinho da chuva quanto a uma eventual disputa eleitoral dele, Marcelo, contra Cristiano Ronaldo porque “Portugal não é os EUA”. Queria o Presidente dizer, presumivelmente, que os portugueses não elegem “Reagans”, “Schwarzeneggers” ou “Trumps” porque não escolhem os seus governantes por serem estrelas da televisão, do desporto ou do espetáculo. Mas não estou assim tão seguro de que o fascínio ocidental – portugueses incluídos – pela cultura americana não contamine a política.

Marcelo em Washington a meter Trump no lugar foi, para os portugueses, mais ou menos como bater a França em Paris na final do Europeu de 2016, e como tal elevou aos píncaros o orgulho nacional. Mas também nos fez lembrar o Marcelo taxista de outros tempos e um célebre mergulho no Tejo. O político que ganhou dimensão como estrela do comentário televisivo. E o atual Marcelo omnipresente na televisão, que se deixa fotografar a torto e a direito, que comenta tudo e nada, e que, mal desembarcou, chegado de Washington, já estava a ser filmado no Rock in Rio, numa homenagem aos Xutos.

Por isso, e apesar das diferenças óbvias de formação e personalidade entre Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump, o Presidente português é, na verdade, um “presidente à americana”. Eleito, em grande medida, graças à exposição televisiva. E populista, como Trump, no sentido em que ambos são líderes carismáticos que exercem o poder numa relação direta com o povo. Só que Marcelo representa o populismo de rosto humano, dos afetos, enquanto que Trump é geralmente visto como o diabo em pessoa.

Miguel Sousa Tavares dizia, há dias, na RTP, que Marcelo Rebelo de Sousa deve ser olhado como um exemplo, porque tem sabido impor um populismo benigno contrário aos populismos negativos que vão ganhando força por esse mundo fora, porque soube integrar o populismo na democracia. Admitindo que assim seja, não deixa de ser verdade, também, que Marcelo é a prova de que Portugal está tão recetivo ao populismo como outro país qualquer. Com a diferença de que não se formaram aqui as condições para a emergência de populismos negativos. Porque largámos mais ou menos airosamente o garrote da troika e não temos tido nem um pingo da pressão social e política que as questões do terrorismo, da segurança e das migrações exercem hoje sobre vários governos.

pub