Tento na língua

O Rijksmuseum, em Amesterdão, devia receber o prémio de melhor museu europeu para virgens ofendidas. Obras ali patentes que tenham nos títulos palavras como “preto”, “escravo”, “mouro” ou “anão”, estão a ser rebatizadas para não incomodarem as susceptíveis brigadas do politicamente correto.

O Rijks não tem parado de receber comentários indignados de visitantes que não toleram as legendas “não inclusivas” de muitas das obras que ali se expõem. Estes amantes das artes têm verdadeiras crises de nervos quando confrontados com termos pejorativos herdados de um passado colonial de violência e discriminação, e que por isso, acham eles, têm de ser eliminados.


Diligentes, os responsáveis do museu meteram-se ao trabalho. A Jovem negra, de Simon Maris, passou a ser a Jovem segurando um leque. A Jovem rapariga negra em frente a um cemitério, de Meisje bij Kerkhof, transformou-se em Rapariga do Suriname em frente a um cemitério, possivelmente em Paramaribo. Os “esquimós” deixaram de ser esquimós e passaram a ser “inuites”. E os escravos ainda não se sabe o que vão ser. Mas o diretor de comunicação do museu, Boris de Munnick, já apareceu com uma ideia brilhante. Ele sugere “escravizado”, porque, como explica, “ninguém nasce escravo, torna-se escravo pela ação dos outros”. 
 
De Munnick descansa-nos a todos, garante que este generoso exercício decorre com a necessária subtileza e que ainda nenhum visitante do museu deu pelas alterações. Ninguém duvida. Sabemos como os holandeses são bons a apagar o passado, basta ver como limparam as igrejas portuguesas no Recife e em Malaca. 

A Portugal, que se saiba, esta fúria purificadora ainda não chegou. Mas porque a prevenção é o melhor remédio, eu recomendaria às autoridades portuguesas que não perdessem tempo e que procedessem, de imediato, a uma operação semelhante. Podia começar-se por rebatizar as obras do Museu Nacional de Arte Antiga que têm títulos intoleráveis, como o São Tiago combatendo os mouros, do Mestre da Lourinhã. 

Depois, aproveitava-se o precedente aberto com a chamada do embaixador da Dinamarca ao Parlamento, para explicar a “lei das joias”, e chamava-se também o cônsul honorário da Mauritânia, tentando-se sensibilizá-lo para a necessidade urgente de mudar o nome do país. Corrigia-se assim o erro histórico de chamar Mauritânia à terra ancestral dos mouros – ou mauros, mauritanos.

Podia passar-se, entretanto, a uma revisão geral da toponímia nacional. Nomes como Rua das Pretas são obviamente inaceitáveis. E, finalmente, o mais importante de tudo: intervir ao nível da imagem que damos do país lá fora. Todos concordarão que não é possível continuar a ter como um dos nossos principais embaixadores no estrangeiro alguém que se chama José Mourinho. Convença-se por isso o homem a mudar de nome.

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