Voando sobre um ninho de sérvios

Xhaka e Shaqiri, futebolistas suíços de origem kosovar, celebraram os golos da vitória sobre a Sérvia simulando, com as mãos, a águia bicéfala da bandeira albanesa. Os sérvios enfureceram-se. É o futebol outra vez a acordar fantasmas.

Depois de atascar o Brasil com um empate, a briosa Suíça deixou a Sérvia em apuros, a ter de ganhar aos brasileiros, na última jornada, para continuar no mundial de futebol. Os suíços estiveram a perder 1-0 mas deram a volta, primeiro por Granit Xhaka, com um tiro indefensável para Stojkovic, e depois por Xherdan Shaqiri, que correu metade do campo para fazer o 2-1, já perto do final do jogo. Os suíços ficaram eufóricos e os sérvios duplamente transtornados, porque os golos foram marcados pelo chamado “clã albanês” da equipa helvética.

A forma como os dois jogadores celebraram esses golos heróicos tornou o Suíça-Sérvia no jogo de maior tensão política, até ao momento, do Mundial de 2018. Xhaka e Shaqiri correram para os adeptos sérvios fazendo, com as mãos, o gesto nacionalista albanês, o voo da águia de duas cabeças da bandeira albanesa. Os sérvios queixaram-se de provocação, mas em sua defesa os dois jogadores podem alegar que também não foram lá muito bem tratados pelos adeptos da Sérvia, nas bancadas.

As famílias de Xhaka e Shaqiri são do Kosovo, onde uma violenta repressão sérvia da população albanesa só terminou em 1999, depois de uma intervenção militar da NATO. O pai de Xhaka esteve três anos e meio numa prisão sérvia, por apoiar a independência kosovar, que acabou por ser decretada unilateralmente, em 2008, sem o reconhecimento da Sérvia. Quanto a Shaqiri, nasceu no Kosovo e a família fugiu para a Suíça, durante a guerra. As botas que calça, neste mundial de futebol, têm as bandeiras suíça de um lado e kosovar do outro.

O gesto de Xhaka e Shaqiri é o último episódio das tensões nacionalistas que perduram entre nacionalistas sérvios e albaneses e que se costumam manifestar nos campos de futebol. A imprensa pró governamental sérvia escreveu que “o clã albanês da equipa dos relojoeiros andava a atirar farpas venenosas já há semanas”. Além de Xhaka e Shaqiri, alinham pela Suíça outros dois jogadores de origem albanesa, Blerim Dzemaili e Valon Bherami. E o selecionador, Vladimir Petkovic, é bósnio.

De resto, a vitória suíça foi celebrada como se de uma conquista albanesa se tratasse, com três mil pessoas a festejarem na praça central de Tirana. O jornal desportivo albanês Panorama Sport escreveu, em manchete, que “Xhaka e Shaqiri exaltam também a Albânia”, e os líderes albaneses aplaudiram as águias que voaram em Kaliningrado. Na Suíça, os jogadores foram acusados de falta de sensibilidade política, mas entre as emoções do futebol, apesar de toda a retórica do desportivismo e do fair play, é difícil não deixar vir à tona os demónios mais profundos.

Jogos como o Suíça-Sérvia lembram-nos, por isso, que, por vezes, não isto não é só futebol. E que sim, o fair play é uma treta, quando é o coração (clubista, nacionalista...) que fala mais alto. Shaqiri teve razão, quando explicou que o gesto da águia foi apenas uma “emoção” e que “não há mais nada a dizer”.

pub