A letargia europeia

A Europa está doente e não é de hoje. Esteve em risco, está em risco. As crises do passado ajudaram à construção da União, as crises do presente estão a destruí-la. Juncker referiu neste último estado da União a necessidade de uma visão a longo prazo, suficientemente galvanizadora e que leve os cidadãos a voltar a acreditar no projecto europeu. Mas elencou tantas dificuldades para se lá chegar...

A começar pela falta de empenho dos "governos nacionais enfraquecidos pelas forças do populismo e paralisados pelo risco de derrota em próximas eleições". Esta simples constatação permite-nos imaginar que nada de substancial irá ocorrer até ao próximo ano, isto é, até às eleições presidenciais francesas e às parlamentares alemãs, ambas em 2017.

Daí que numa corrida atrás do prejuízo, o dado mais relevante da comunicação de Jean-Claude Juncker tenha sido o do reforço da defesa comum europeia e a luta contra o terrorismo. Certamente porque se trata de uma temática com mais eco nos tempos que correm junto das opiniões públicas europeias. E próxima também dos temas preferidos dos movimentos populistas, que martelam em permanência as questões da segurança, associando-as ao terrorismo e imigração/refugiados. Ou seja, Juncker procurou não melindrar muito as campanhas eleitorais que se avizinham.

O problema é que os males da Europa são vários. Não se trata de uma crise mas de uma policrise: crescimento económico anémico, desemprego, perda de direitos sociais, outono demográfico, populismos vários, refugiados, terrorismo, segurança, o brexit... E, sinal dos tempos, não há uma solução para cada um deles, há várias, consoante os clubes onde se está a dividir a união.

Há os que querem menos Europa, o grupo de Visegrado, países de tendência governativa populista/nacionalista, como são o caso da Hungria e da Polónia; há o clube dos países do sul, a esbracejar ainda pelo fim das políticas austeritárias; e depois há ainda os países do rigor austeritário, onde, claro está, continua a pontificar a Alemanha. Todos eles são a expressão da actual discórdia europeia e da sua incapacidade em definir aquele rumo galvanizador que referiu o presidente da comissão.

A verdade é que a Europa fez tudo durante a tempestade financeira para salvar o euro. O credo da União passou a ser apenas o crescimento económico e o rigor nas contas públicas. Custasse o que custasse. O euro foi salvo a custo (que o digam os cidadãos europeus, uns mais do que outros). Mas salvar o euro deixou sequelas gravíssimas e criou a tempestade social e política onde hoje nos encontramos. Porque se perderam valores essenciais pelo caminho, a começar pelos valores humanistas que estiveram na base do projecto europeu. Valores como a liberdade e a solidariedade. E nada nos tempos mais próximos permite pensar no seu regresso. Porque a Europa deixou-se prender numa armadilha de onde dificilmente conseguirá sair.

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