Na gestão dos conflitos no Médio Oriente, andamos de ressaca em ressaca há décadas. Ela é terrível, uma consequência inevitável das decisões e actos sobre as quais nunca se avalia globalmente os efeitos. Recuperamos, não a primeira, porque essa anda lá pelos anos 20 de século passado (quando ingleses e franceses decidiram dividir a região entre eles após a derrota do império Otomano), mas uma mais recente, fundamental para se perceber as subsequentes. E isso leva-nos a apenas algumas décadas atrás.
Anos mais tarde, para derrubar Saddam Hussein, destruiu-se o partido Baas, as estruturas militares, o funcionalismo público, na sua globalidade dominados por quadros sunitas. Milhares de militares, funcionários públicos e quadros partidários viram-se de um dia para o outro sem nada, e o refluxo disto ajudou à guerra civil que se seguiu, à luta confessional entre sunitas e shiitas, ao engrossar das diversas metástases do terrorismo e, nesta fase final, à ressaca brutal que é o "Estado Islâmico".
Agora procura-se derrotar o "Estado Islâmico", inflingir-lhe a mais que provável derrota em Mosul, uma cidade maioritariamente sunita, mas onde conviveram ao longo de séculos diversos credos e etnias. Para isso contribui uma coligação internacional que domina os céus iraquianos e uma aliança de interesses contraditórios no terreno. Há grupos apoiados pelo Irão, um exército muito marcado por uma matriz shiita, os peshmergas curdos, combatentes cristão apoiados pela Turquia.
O dia seguinte após a derrota do "Estado Islâmico", a forma como se vai lidar com a população sunita (e os riscos de haver actos de revanchismo com motivações religiosas), o equilíbrio possível entre a Mosul que os curdos reivindicam para si ( alimentando o sonho de autonomia), que Bagdade quer reintegrar no todo nacional, que a Turquia cobiça em nome da história (desejando, pelo menos, que ela fique na sua zona de influência), esses e outros factores - acresce o facto de ser uma zona rica em petróleo - ditarão se vamos ou não ter mais uma ressaca.