Admirável Mundo Novo

No filme "Cabaret", de Bob Fosse, Liza Minnelli e Joel Grey cantam que o "dinheiro faz o mundo rodar". A enredo passa-se na república de Weimar quando o partido nazi começa a surgir em força na Alemanha. E se os clientes do cabaré são uns no início do filme, dão lugar aos camisas castanhas nazis no final, porque o show tem de prosseguir e o dinheiro tem que continuar a rolar.

A verdade é que o dinheiro faz rolar o mundo desde que surgiu para facilitar as trocas comerciais entre os homens. Ele formata a vida individual e colectiva há séculos. É claro que dá-se menos por ele quando está mais bem distribuído, sente-se mais a sua falta em momentos de austeridade e penúria.

Nestes últimos anos tem vigorado no mundo uma espécie de ordem mundial do "deve e haver", sem direito a perdas, e com o lucro como quase a única regra para reger toda a dimensão humana. Em seu nome assistiu-se - sinal destes tempos - à deslocalização de empresas ocidentais para mercados de mão-de-obra mais barata, nomeadamente a China e a Índia, o que permitiu que tenha passado a haver menos desigualdade no mundo.

Os países em desenvolvimento foram-se aproximando dos países mais desenvolvidos, ganhando mais emprego e, com ele, uma população com mais recursos para ser estimulada a consumir. Mas se uns conheceram mais qualidade de vida, outros, concretamente na Europa Ocidental, viram a sua qualidade de vida entrar em estagnação, senão mesmo a regredir. Salários e direitos sociais são um bom exemplo. Quer na Alemanha, no virar do século, quer em Portugal, neste últimos anos.

Paradoxalmente, em todos os países, a desigualdade interna acentuou-se entre uma elite cada vez mais rica e a restante população. E se há mais gente com acesso a mais bens de consumo no mundo, há também um desnível global cada vez maior entre os detentores de riqueza.

Dados da Oxfam indicam que cerca de um por cento da população mundial detém quase cinquenta por cento da riqueza do mundo. Com tendência para piorar. Porque a "quarta revolução industrial", a do numérico, está a criar novas perturbações nas empresas estabelecidas e nos mercados tradicionais.

E há já quem avance com enormes custos humanos motivados pelas inovações tecnológicas. Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, dois pesquisadores da universidade de Oxford, publicaram um estudo onde admitem que, nos próximos vinte anos, quase cinquenta por cento dos empregos nos Estados Unidos da América estejam ameaçados pela automatização do trabalho. Haverá assim muito menos emprego e, possivelmente, uma reduzidíssima elite tecnológica multimilionária.

E lá se vai o paradigma da sociedade de consumo. Desde logo porque haverá menos consumidores. Mas o cenário pode ser ainda pior: outros estudos indicam que a inteligência artificial chegará mais cedo do que se previa - pesquisas prosseguem apesar de alertas de homens como Stephen Hawking e Bill Gates. Estima-se agora que ela surja lá para o ano 2030.

A surgir, o papel do homem e os pressupostos da sociedade onde vivemos mudarão por completo. Para onde? Não se sabe. Mas talvez fosse importante começar a pensar já nesse admirável (ou não) mundo novo.

Este já conhecemos. O outro está já ao virar do próximo decénio. E nessa altura, o que irá fazer rolar o mundo?

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