Compreender Mélenchon

Marine Le Pen já ganhou. Mesmo que perca as eleições. Porque mesmo perdendo-as vai conseguir tornar a extrema-direita que ela representa numa força inquestionável no seu país e na Europa.

Sendo a França um país central na construção do projecto europeu, a União Europeia sucumbe já com a sua eleição ou fica debaixo de uma emboscada permanente caso ela a venha a perder.


Mélenchon tem razão quando refere que foi esta Europa e as práticas dos partidos tradicionais que incubaram esta revolta que se exprime nas urnas a favor da extrema-direita. Mas também não deixa de ser verdade para os votos que ele próprio representa. Consciente disso, Le Pen procura seduzir o eleitorado de Mélenchon, destacando, por exemplo, o que os une de rejeição ao projecto Europeu e à Nato. Omite o muito que os separa, desde logo a tolerância religiosa, o que não é um factor menor.

Ademais, Mélenchon tem razão quanto à responsabilidade dos partidos tradicionais, mais preocupados nestes últimos anos com as dívidas e os défices do que com os valores universalistas na base do projecto europeu, esta Europa que insistiu muito mais na linha da austeridade do que, por exemplo, na condenação veemente e permanente das derivas autoritárias em curso na Hungria e Polónia. Uma França de Le Pen não será, por isso, muito diferente daquilo que já se assiste nalguns países.

Le Pen filha também teve e tem mérito. Desde logo no processo de desdiabolização da Frente Nacional. Afastou os compagnons de route do pai Le Pen e os grupúsculos mais radicais. Rodeou-se de novos quadros e de novas gerações. Alterou a retórica e o anti-semitismo do pai e fez do Islão um alvo prioritário. Martelou também contra a imigração, contra a Europa, usou a insegurança e o terrorismo a seu favor.

As bandeiras da Frente Nacional, parte delas, foram também usadas pelo centro direita. E Mélenchon também tem razão quando acusa o sistema político de ter alimentado o discurso extremista. Porque foi o centro direita quem tornou a extrema-direita num partido frequentável. Não o era. Sarkozy, ao admitir não haver diferença entre à Frente Nacional e os Socialistas, escancarou as portas à Frente Nacional. E ao ir buscar parte do seu argumentário, caso da identidade nacional francesa, Sarkozy deu-lhe ainda mais força.

Mais do que os partidos tradicionais, Mélenchon considera que é ele e os seus apoiantes quem faz hoje barreira contra a extrema-direita. E na alteração substancial da paisagem política francesa que se avizinha, Mélenchon tem tudo a ganhar em não se associar a um candidato que representa o sistema que ele despreza. Ele quer ser uma alternativa aos socialistas, uma outra esquerda menos submissa às forças do mercado.

O resultado das presidenciais francesas está longe de estar escrito.

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