Perspectivas

Qual a diferença entre uma família de oito pessoas, civis anónimos, entre elas algumas crianças, que seja dizimada em Alepo na sequência de um bombardeamento aéreo, e uma outra família, mais ou menos idêntica, chacinada em Mosul pela mesma via? De um ponto de vista humanista, nenhum. De um ponto de vista geoestratégico, muito.

Porque a família de Alepo terá sido varrida pelos russos ou pelo governo sírio, o que pode configurar desde logo um escândalo de enormes proporções, ou não, dependendo do lugar onde a notícia é propagada. Em Mosul, e de acordo com as mesmas regras, embora tenham morrido na sequência de um bombardeamento norte-americano, serão inevitáveis vítimas colaterais de uma causa maior, a de libertar a cidade do jugo do "Estado Islâmico". Ou um acto inaceitável se o centro difusor da notícia estiver noutra latitude e longitude.

As notícias, vindas de Moscovo, dão conta de uma narrativa que faz da cidade de Alepo um antro de terroristas. E não tenhamos dúvidas, alguns são mesmo, porque pertencentes à galáxia jihadista, à Alqaeda de uma forma muito particular. E basta recordarmos, por exemplo, a ignomínia que foi o 11 de Setembro ou os excessos de Zarkawi no Iraque, há uns anos, degolando com requintes diabólicos cidadãos ocidentais. Mas a narrativa, vista do lado ocidental, parece esquecer ou relegar para um plano secundário esses factos, vistos agora como detalhes noticiosos, é certo, mas pouco relevantes.

O mesmo em Mosul, onde a família será então um detalhe na perspectiva ocidental, um eventual "crime contra a humanidade" e um sinal mais da narrativa ocidental de haver dois pesos e duas medidas, numa perspectiva russa.

A propaganda é sempre uma arma muito poderosa. E todos a usam. Ser jornalista é uma profissão difícil.

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