Três é bom. Quatro é demais

A América de Trump começa oficialmente esta semana, mas já foi dando alguns ares da sua graça nestas últimas semanas, como uma espécie de prenúncio do que por aí vêm. E o que lá vêm parece ser uma alteração muita significativa na complexidade dos jogos que se fazem na arena internacional.

Trump antagoniza claramente a República Popular da China, dá sinais de aproximação à Rússia, despreza a União Europeia, encorajando o "Brexit" e apelando até a outras saídas do clube europeu. Parece, como Putin, apostado na erosão do projecto europeu, até mesmo na sua destruição. Convenhamos que as políticas europeias, muito centradas nestes últimos anos no controle das contas públicas, impondo aos cidadãos reformas e austeridade "manu militari", lhes permite acalentar fundadas esperanças de o virem a conseguir. A União Europeia, com essas políticas, conseguiu minorar a tempestade financeira onde se encontrava, mas está agora a braços com as consequências das receitas que impôs, ou seja, uma enorme tempestade social e política. Porque, muito por via delas, há hoje um claro e notório desamor entre um número crescente de cidadãos europeus e o projecto europeu. A proliferação e aceitação do discurso populista nas suas diferentes matizes é disso uma excelente prova. 

O "futuro é sombrio" referia há dias um relatório do "National Inteligence Council" norte-americano. Há claramente, não só na Europa, um recuo dos valores democráticos. O próprio terrorismo tem servido de pretexto para destruir o edifício dos direitos humanos, aumentando o arsenal policial e securitário, com inegáveis risco para valores fundamentais de democracia e liberdade. Se a isto se somar as desigualdades crescentes entre os muito poucos muito ricos e todo o resto da humanidade, o aumento brutal das vendas de armas para várias partes do mundo, as migrações maciças de cidadãos, a inquietação com as alterações climáticas (já rejeitada pelo novo inquilino da Casa Branca), os saltos tecnológicos a alterarem de forma crescente os paradigmas no mundo do trabalho, e a lista prossegue... 

Um dado é certo: EUA, China e Rússia vão jogar com a Europa, cada um à sua maneira, cada um procurando retirar dela as vantagens que mais lhe convém. Mas todos com o mesmo propósito: enfraquecê-la, torná-la mais irrelevante. Porque, para eles, três é bom, quatro é demais. 

Estaria, por isso, na hora de uma maior união na defesa de valores, de um projecto centrado na liberdade, na democracia, na tolerância e no respeito. Num projecto de desenvolvimento e justiça social. 

A verdade é que parecemos estar cada vez mais numa espécie de cada um por si, onde são mais as declarações de fachada do que acções concretas em nome de um projecto colectivo. Veja-se o caso emblemático da Alemanha, com um superávit de 19 mil milhões de euros (janeiro deste ano), e incapaz de os por ao serviço de um projecto onde tem tudo a ganhar, e para isso bastaria apenas estimular com essa verba colossal o consumo dos seus cidadãos. As consequências no resto da União não tardariam. 

A Alemanha ganha imenso em dimensão com a União Europeia. E ganhou imenso com ela, porque a ajudou a reabilitar a sua imagem no concerto das nações após as duas guerras mundiais do século passado. Sem ela, a Alemanha não passará de uma média potência. Trump tratou-a recentemente com esse estatuto. Deu para perceber.

A Europa que se cuide. Se ainda for a tempo.

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