A irritante clubite

Vai para dois anos que faço, juntamente com o Jorge Andrade, na RTP Internacional e na RTP África, em direto, à segunda-feira à noite, um programa sobre a jornada da liga portuguesa. Nos tempos que correm é um luxo porque temos a possibilidade de mostrar imagens de todos os jogos, à exceção das partidas do Benfica, no estádio da Luz, por uma questão de direitos.

Na velha tradição do saudoso “Domingo Desportivo” dos anos oitenta e noventa, mostramos os golos, as declarações, os resultados, fazemos as análises e conversamos com os espetadores espalhados pelo Mundo. É um programa que, enquanto jornalista, me faz sentir um privilegiado principalmente porque ao longo destas dezenas de edições raramente tive de chamar à atenção a algum dos intervenientes que são muito corretos nas análises que fazem, embora, como é óbvio, defendendo o seu clube do coração.

Esta semana, vá lá saber-se porquê, a gritaria chegou às comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo e foram vários os espetadores que criticaram violentamente os árbitros e as arbitragens em termos que, confesso, não estava habituado no contexto do Golo RTP.

Até parecia que estávamos num qualquer programa com aqueles painéis ligados aos clubes em que a clubite e a gritaria é o seu principal ADN. A coisa assumiu tamanhas proporções que o próprio Jorge Andrade foi acusado de ser um perigoso benfiquista só porque defendeu o óbvio: que a vitória dos encarnados, em Braga, foi muito importante, quem sabe decisiva para as contas finais da liga e que a semana correu bem ao atual campeão nacional que ganhou em Braga e ao Borussia de Dortmund para a Liga dos Campeões. Nada mais verdadeiro e factual. Confesso que sai do programa deprimido e angustiado com o que se passou.

Esta irritante clubite consegue impedir-nos de olhar para o essencial e o essencial, nesta jornada, foram os golos de grande qualidade marcados por Fábio Martins do Desportivo de Chaves ao Arouca ou o golão de Hernâni do Vitória de Guimarães ao Belenenses. Ou ainda o de Mitroglou do Benfica ao Sporting de Braga que desbloqueou um jogo que estava muito complicado para os campeões nacionais.

Até neste caso já ouvi muita gente a dizer que o grego ganhou vários ressaltos e teve sorte. Apenas isso. Até pode ser verdade, em parte, mas foi um golo genial de um único jogador contra quatro ou cinco adversários.

Esta irritante clubite consegue impedir-nos de ver que Cláudio Ramos, o guarda-redes do Tondela, fez uma defesa do outro mundo a um remate do portista Soares, logo aos dois minutos do jogo do Dragão e que Rui Patrício fez um punhado de intervenções, no jogo quatrocentos com a camisola dos leões, que negaram pelo menos três golos aos avançados do Rio Ave. Uma das quais aos vinte cinco minutos que literalmente impediu o golo a Rúben Ribeiro.

Deviam ser os golos e as defesas de grande qualidade, bem como os bons espetáculos, a deliciar os adeptos do futebol. O problema é que temos principalmente adeptos de clubes e poucos adeptos, em primeiro lugar, do futebol.

O futebol português viciou-se neste tipo de coisitas que preenchem o seu dia-a-dia. As declarações dos protagonistas que marcam território já com o pensamento num jogo que vai acontecer daqui a duas ou três semanas. As análises pouco sérias que muitos – jornalistas incluídos – fazem do que vai acontecendo e que cai para um lado ou para o outro consoante a cor dos óculos do analista. As decisões dos árbitros e do Conselho de Arbitragem ou de Disciplina. De bola muito pouca coisa.

Confesso que estou cansado desta irritante clubite que não nos leva a lado nenhum e que só nos torna mais fracos. O problema é que sou da opinião que a confusão apenas está a começar já que, se se confirmar o facto de apenas uma equipa ter acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões - ou se quiserem ao dinheiro da milionária, percebe-se que a procissão apenas está a sair do adro da igreja.

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