A ressaca

Em cinco dias, o Sporting e Jorge Jesus passaram, literalmente, do céu ao inferno. Aquilo que tinha sido uma soberba exibição em Madrid elogiada por tudo e por todos, mesmo que a equipa tenha sida derrotada pelo Real – lembram-se dos famosos minutos finais das equipas de JJ aqui há uns anos e dos títulos perdidos? Lembrei-me disso – terminou com uma paupérrima demonstração, em Vila do Conde, do que não deve fazer um plantel que é candidato ao título, ainda por cima, no terreno do Rio Ave, mesmo que a formação de Nuno Capucho tenha demonstrado muita qualidade e uma enorme eficácia. Pelo meio houve ainda a tão falada conferência de imprensa do treinador leonino com considerações várias que lhe mereceram diversas críticas vindas de todos os lados.

Sobre este assunto há várias reflexões que gostava de vos deixar. Por um lado, considero Jorge Jesus um treinador muito competente e um profundo conhecedor do futebol europeu e, por maioria de razão, do futebol português. Já aqui o escrevi e reafirmo que pode não expressar-se em bom português – já agora nem em bom castelhano! – mas sabe comunicar como muito poucos. São coisas totalmente diferentes.

Tudo o que diz é porque o quer dizer e daquela forma. Há muito poucos treinadores que conseguem passar a sua mensagem de forma tão eficaz como ele. Pode, por vezes, exagerar na forma como diz, mas o conteúdo – e isso é sempre o mais importante – está lá. É um comunicador nato. A coisa está de tal forma que as conferências de imprensa dele são imperdíveis e merecedoras de um estudo aprofundado por quem olha com atenção para estes assuntos, ou seja, por parte dos especialistas em comunicação. Para mais tenho dele a ideia de uma mente livre, algo a que não estamos muito habituados no futebol indígena.

Muita gente, principalmente os seus detratores, acusam-no de olhar em demasia para o seu umbigo. Não deixa de ser verdade mas é preciso perceber que tudo aquilo que conseguiu foi à sua própria custa e sem grandes “padrinhos” porque são muito poucos os treinadores que o suportam ou gostam dele, e isso não é de agora. Lembro-me bem do que dele se dizia quando treinava o Felgueiras e da satisfação de muitos dos seus colegas de então quando a equipa desceu de divisão, depois de uma excelente primeira volta.

Entendo as suas declarações e as suas atuações como uma forma de se afirmar. Ele precisa disso. Acreditem que o conheço há anos suficientes para dizer que muito poucos pensariam que ele seria o treinador que é hoje e que iria treinar as equipas que treinou nestes últimos anos. Sou mesmo tentado a dizer que muito poucos ou nenhuns acreditavam nisso, mas ele acreditava e conseguiu lá chegar. O mérito é todo dele.

Se podia ser diferente? Claro que podia. Atrevo-me a dizer que até deveria ser diferente mas não é capaz. Para ele este tipo de confronto é fundamental. É como respirar. Esperem pela próxima conferência de imprensa para o comprovarem.

Curiosamente, já pensaram que não estaríamos aqui com esta discussão se o Sporting tivesse pelo menos empatado em Madrid? Ou se, mesmo tendo perdido com o Real, depois do que fez, tivesse ganho em Vila do Conde? As críticas seriam totalmente diferentes. Acharíamos, seguramente que o homem tem um ego grande mas que ganha e quando assim é…batatas.

Como perdeu os dois jogos “carrega a avenida”, como se diz na minha terra. É a velha questão: as ressacas são absolutamente terríveis quando são fortes. E esta foi mesmo muitíssimo forte e principalmente bastante feia.

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