A rapariga que descobriu em Lisboa que as pessoas tatuadas eram boas

A semana passou depressa. Como aquelas embarcações que chegam a Macau, levantadas das águas de tão rápidas que são. O Rota das Letras – Festival Literário acontece por esta altura, num território a oriente onde há ruas com nomes em português. E pessoas que, mesmo não sabendo português, adoram Lisboa.

Pouco há a argumentar. Chegar ao outro lado do mundo, é perceber que há outro mundo. As pessoas são outras, os passos diferentes, os cheiros e as velocidades, mas também sorrisos felizes e iguais gargalhadas, gestos da rotina. A totalidade do mundo só se sente quando se olham essas fronteiras do gesto, esses opostos de lugar. Nem é por “neos” e outras “coloniais” memórias que me lembro, quando refiro a existência da cultura portuguesa num lugar como Macau. Mas é surpreendente olhar para o jardim de Camões, perceber que tem presença e assistência, entre movimentos Tai Shi e cheiros doces de jasmim. Imagino que o encontro do poeta português, desterrado para este sítio, tenha sido do que mais o despertou. Porque para escrever “Os Lusíadas” não é só olhar o Tejo e ouvir os marinheiros e as princesas. Abrir os olhos ao mundo tem a virtude de fazer tudo mais próximo, mais bonito, mais humano. Mesmo olhando com estranheza.

Em Macau, conheci uma rapariga que era das poucas que falava inglês. O seu mundo chinês tinha o melhor da gastronomia macaense, salgada e intensa, doce e suave, sempre na companhia de um chá. Depois de três jantares e mais pedidos de pratos vegetarianos, lá perguntou de onde éramos: Portugal. Ah sim! Lisboa. Lisboa que já conhecia. A Mouraria e o castelo. E o sol. Principalmente o sol. A sua estranheza deve ter sido a mesma de Camões. Se o poeta escreveu sobre adamastores e outras sereias, a rapariga que conheci falou de criaturas tatuadas. Sim. Pois. Espalhadas pela cidade inteira. Muitas. E fez uma cara feia.

Mas disse que foi em Lisboa que descobriu que as pessoas tatuadas também eram simpáticas e amáveis. Grace, seu nome adaptado ao ocidente por lá existente, teve essa graça de querer partilhar a sua estranheza. Como a literatura de Camões um dia partilhou connosco. E a conversa passou a ser próxima. Como se a partilha das dúvidas e fraquezas fosse sempre a melhor forma de nos dar a conhecer. Deixei-lhe um presente. De Lisboa. E vim embora.

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