Buscas da PJ abrangem Inspeção das Finanças, Defesa e Cruz Vermelha

por RTP
O relatório refere que o modo de contabilização da Cruz Vermelha Portuguesa faz uma “aplicação incorreta” das regras contabilísticas António Antunes - RTP

A Polícia Judiciária desencadeou esta terça-feira buscas na Inspeção-Geral das Finanças (IGF), Ministério da Defesa e Cruz Vermelha Portuguesa. O programa Sexta às 9 teve acesso ao relatório que está na origem da investigação. O documento aponta para falhas no cumprimento de regras contabilísticas que ocultam a origem pública dos rendimentos da Cruz Vermelha. O diretor da equipa de auditoria foi exonerado na sequência da inspeção.

A Procuradoria-Geral da República confirmou que as buscas visam procurar indícios relativos aos crimes de corrupção passiva, peculato e abuso de poder, que poderão imputáveis a altos responsáveis de serviços centrais da administração pública.

Em concreto está a ser investigada a má gestão de dinheiros públicos, que depois é ocultada nos relatórios da entidade.

O programa Sexta às 9 teve acesso a um relatório que está na origem da investigação, uma auditoria financeira às subvenções públicas e ao modelo de governo, organização e funcionamento da Cruz Vermelha Portuguesa.

O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Francisco George, não quis fazer qualquer comentário às diligências em curso.
O que diz o relatório
O relatório refere que o modo de contabilização da Cruz Vermelha Portuguesa faz uma “aplicação incorreta” das regras contabilísticas. Da forma como a Cruz Vermelha está a apresentar as contas, não fica claro “que é realmente o Estado quem financia uma parte muito significativa da atividade”, uma vez que “a grande fatia de dinheiros públicos recebidos” foram registados como “prestações de serviços” em vez de “subsídios, subvenções ou apoios públicos”, lê-se na página 21 do relatório da IGF.
Os autores do documento escrevem mesmo que se trata de “um artifício para ocultar a verdadeira origem/natureza dos rendimentos”.
Ainda na secção relativa à apreciação da gestão financeira da Cruz Vermelha Portuguesa, os auditores da IGF consideram que as “demonstrações financeiras são omissas em valores relativos à principal rubrica do capital próprio” e voltam a apontar falta de cumprimento de regras contabilísticas.

Os auditores são particularmente críticos da falta em “evidenciar, com precisão, os recebimentos dos subsídios/subvenções públicas que aufere anualmente de acordo com o fim a que se destinam vs intervenção que suportam, distorcendo assim o conceito da ótica de caixa com operações financeiras e da ótica económica”.

Escrevem ainda que a Cruz Vermelha Portuguesa "não só não informa bem os seus stakeholders, como uma tal conduta parece deliberada, já que não dá a conhecer para o exterior, em qualquer meio de divulgação, próprio ou público ao seu alcance as verbas de que dispõe para o seu funcionamento e atividade, especialmente, as significativas subvenções/ajudas financeiras públicas de que tem vindo a beneficiar”.

Os auditores notam ainda que a disponibilidade financeira da Cruz Vermelha Portuguesa – “de 19 737,8 milhares de euros, em 2013, e de 20 839,1 milhares de euros, em 2014 - situaram-se praticamente ao mesmo nível dos montantes que a CVP recebeu a título de subvenções públicas nos mesmos anos – respetivamente, 19 300,0 milhares de euros e 21 615,4 milhares de euros”.

Além disso, sublinham o facto “mais de 66 por cento daquelas disponibilidades” representarem “um depósito a prazo, tendo por base a compensação dada pelo Novo Banco na venda das obrigações do BES/Luxemburgo".

"É, portanto, evidente que as subvenções públicas têm permitido à Cruz Vermelha Portuguesa manter uma volumosa almofada financeira geradora de elevadas reservas de liquidez, mas em relação às quais podem não ter sido adotadas as melhores medidas de gestão de riscos tendo em conta o atrás referido”, acrescentam.

Notam os relatores que o BES/Luxemburgo se encontra em processo judicial.

Na secção das conclusões, os auditores insistem que o desrespeitos pelas regras contabilísticas. Além disso, consideram que “o modelo de governo não segue os melhores princípios comumente recomendados para este tipo de organizações, nem os efeitos/impactos gerados têm sido aferidos por todos os interessadas atentos (stakeholders). Isto é, o funcionamento deste modelo tão desadequado, tem gerados resultados muito díspares daqueles que são produzidos pelas melhores práticas de gestão”.

O relatório foi feito em 2016, mas nunca saiu da gaveta. Contactado na altura pela RTP, o Ministério das Finanças disse que não tinha conhecimento do documento.
Diretor da auditoria afastado
O Sexta às 9 sabe que diretor da equipa de auditoria, Heitor Agrochão, foi exonerado do cargo de dirigente por causa desta inspeção, quando estava de férias de Natal. Aquando do regresso ao serviço, no início de janeiro de 2017, tinha uma carta registada em casa a exonerá-lo de funções.

Refere o despacho nº 437/2017, publicado a 9 de janeiro de 2017, que Heitor Agrochão "observou, de forma reiterada, orientações superiormente fixadas pela referida superiora hierárquica, as quais contestou de forma inadequada e litigante, através de adjetivações, insinuações e interrogações subjetivas".

No despacho da exoneração são apontadas faltas de ética e problemas de conduta, como a adopção de "um comportamento altercado e inadequado em reuniões internas e externa, com a presença de dirigentes superiores".

Além de outras atitudes consideradas reprováveis, o inspetor "elaborou e enviou, no âmbito de uma auditoria sob sua responsabilidade, textos contendo adjetivações, insinuações e comentários subjetivos de cariz pessoal ou coloquial em contexto profissional, instando à adoção de comportamentos".

Heitor Agrochão queixou-se à justiça mas não foi o único. O programa de investigação da RTP sabe que pelo menos dois inspetores apresentaram queixas de favorecimento e corrupção visando diretamente o inspetor-geral das Finanças, Vítor Braz.
Sexta às 9 noticiou mal-estar na IGF
O ambiente na IGF é de perseguição e mal-estar - com reflexos na produtividade do organismo - na sequência da nomeação de Vítor Braz, conforme divulgava o Sexta às 9 há três meses.

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