Defesa de Sócrates denuncia "fuga para a frente" e contesta juiz

por RTP
“A prisão de José Sócrates serviu para o investigar, não para o acusar”, disse o advogado João Araújo Miguel A. Lopes - Lusa

Os advogados de defesa de José Sócrates sustentaram esta noite que o Ministério Público “tratou de reescrever a história” e que a acusação da Operação Marquês está vazia de factos e provas. João Araújo e Pedro Delille encaram mesmo o despacho do Ministério Público como “uma fuga para a frente”, depois de terem sido ultrapassados todos os prazos. E entendem que Carlos Alexandre não poderá ser juiz de instrução, pelo que pedem o seu impedimento.

Em conferência de imprensa, no dia em que foi conhecido o despacho de acusação a José Sócrates e outros 27 arguidos, os advogados de defesa do antigo primeiro-ministro denunciaram uma “perseguição injusta” ao arguido e que os indícios que deram origem ao processo visaram apenas “prender e manter preso José Sócrates”.José Sócrates vai reagir às acusações do Ministério Público na RTP1 na próxima sexta-feira, a partir das 21h00.

“A prisão de José Sócrates serviu para o investigar, não para o acusar”, disse João Araújo durante a declaração aos jornalistas. 

Os dois advogados fazem notar, em novo comunicado, que foram acrescentados novos elementos de acusação.

“Tomamos conta de novos factos, chamemos-lhe assim, designadamente os que são relativos ao Grupo Espírito Santo e ao doutor Ricardo Salgado, à PT ou À OPA da Sonae. São novos fatos, que tanto quanto os velhos são falsos, ou se verdadeiros, nada têm que ver com o Engenheiro José Sócrates”, referiu João Araujo. 

Os causídicos notam que não foram ainda notificados pela acusação e que só nos próximos dias irão proceder a “uma análise aprofundada” do documento. "Ainda naõ conhecemos o processo. Da imensidão deste processo, se conhecermos cinco por cento é muito", acrescentou Pedro Delille.

Segundo a defesa de Sócrates, o Ministério Público “reescreveu a história, chegando ao absurdo de responsabilizar José Sócrates por factos ocorridos na vigência do Governo subsequente ao seu, como no caso da compra pela Oi”.

“Não se tratou em suma de buscar a verdade, antes de procurar a incriminação do nosso constituinte”, consideram os dois advogados, num processo “mediático” que expôs Sócrates “a uma violenta campanha de difamação e a uma condenação sumária na opinião pública”.

Na opinião dos advogados de defesa, o tempo concedido a esta investigação “ultrapassou o insuportável para o Direito e para a consciência justa”.

“Quando já não podia adiar mais e mais, ensaiou uma fuga para a frente e produziu esta acusação. Como as anteriores, está vazia e factos e de provas, oca”, reitera a defesa do ex-primeiro-ministro.

Garantem, no entanto, que este é “paradoxalmente um bom momento” para José Sócrates, uma vez que ficou “fixada” a versão do Ministério Público, que não poderá mais “ir ajustando a sua narrativa à medida que vão falindo cada uma das anteriores”.

João Araújo prometeu que a análise ao documento da acusação poderá ficar terminada “eventualmente mais cedo do que o que as pessoas pensam”.

“Estamos certos de que deste amontoado de papel não restará folha sobre folha”, disse João Araújo sobre um despacho que soma cerca de quatro mil páginas.
"Carlos Alexandre não poderá ser juiz neste processo"
Em resposta aos jornalistas presentes, João Araújo sublinhou que o pedido de abertura da instrução “é uma decisão que depende de um conhecimento total da acusação”.

“É absurdo, é raro, é profissionalmente condenável requerer a abertura da instrução sem conhecer a acusação. Eu não conheço a acusação, não conhecemos todo o processo”, explicou.

Pedro Delille reforçou a mensagem e esclareceu que os próximos passos da defesa serão precisamente a tentativa de conhecer o processo. Do que conhece, o advogado considera que a acusação “é todo um conjunto de ilações que são falsas e que não têm qualquer suporte em muitos elementos de prova que conhecemos, quer os documentos, quer escutas, buscas e depoimentos que desmentem em absoluto as acusações”.

Sobre os 31 crimes de que José Sócrates foi acusado esta quarta-feira, Pedro Delille disse que essa é “uma questão de técnica jurídica”, uma vez que cada facto é considerado como crime pelo Ministério Público.

No entanto, o advogado sustentou que “não há crime algum, não se praticou crime algum, o nosso cliente não tem qualquer responsabilidade em qualquer comportamento ilícito”. Pedro Delile destacou que os factos que levaram à detenção e prisão preventiva “nem sequer estão na acusação”.

Sobre a acusação de que José Sócrates teria recebido 34 milhões de euros entre 2006 e 2015, a defesa garante: "O engenheiro Sócrates não recebeu um cêntimo, nem através de contas de amigos".

Na visão dos advogados que constituem a defesa do ex-primeiro-ministro, o processo esteve até agora nas mãos do Ministério Público “sem qualquer tipo de controlo”.

Por isso, a defesa entendeu requerer um impedimento na segunda-feira para que o juiz Carlos Alexandre continue com este processo, argumentando que o magistrado "assumiu um protagonismo tão grande ao lado do titular do inquérito que não pode ser escolhido como juiz de instrução".

Para esse efeito, os dois advogados informaram, em resposta aos jornalistas, ter interposto na última segunda-feira um processo para que Carlos Alexandre não seja o juiz de instrução do processo.

"Carlos Alexandre (...) foi um juiz que se absteve de exercer qualquer controlo jurisdicoinal efetivo, independente, competente e imparcial neste processo. Nós não temos dúvidas que Carlos Alexandre não poderá ser o juiz de instrução", consideraram os dois advogados.

No total, o despacho de acusação no âmbito da Operação Marquês, conhecido esta quarta-feira, inclui 28 arguidos, 19 pessoas e nove empresas. O ex-primeiro-ministro está acusado de 31 crimes económicos, segundo revela a nota divulgada pela Procuradoria-Geral da República.

O Ministério Público acusa o ex-primeiro ministro da prática de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

O empresário Carlos Santos Silva, próximo de José Sócrates, foi acusado de 33 crimes, entre os quais estão corrupção passiva de titular de cargo política, corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal.

Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, Henrique Granadeiro, antigo gestor da mesma empresa de telecomunicações e Armando Vara, ex-ministro e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos, também estão acusados por ligações ao processo.

Os arguidos têm no máximo até 50 dias (20 dias mais um possível pedido de prorrogação por mais 30 dias) para pedir a abertura da instrução. Esta quinta-feira será a vez dos advogados de Ricardo Salgado reagirem à acusação do Ministério Público em conferência de imprensa.
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