Estado da Educação. "É preciso intervir ao primeiro sinal de dificuldade"

por RTP
Kai Pfaffenbach - Reuters

Os chumbos e o abandono escolar têm vindo a diminuir ao longo dos anos, mas no ano passado o número de alunos que deixou a escola antes do tempo voltou a aumentar. Segundo o relatório que retrata o estado da educação no país, divulgado esta terça-feira, o abandono escolar em Portugal continua acima da média europeia. A nova presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) diz que é preciso repensar os métodos de ensino, uma vez que a grande maioria das aulas continua a ser expositiva.

É entre as crianças de meios mais desfavorecidos e com pais com menos formação académica que se encontra a grande maioria dos alunos que vai ficando para trás, lembra a presidente do CNE, chamando a atenção para o facto de o chumbo contribuir "para estigmatizar alunos e potenciar a acumulação de retenções".

Por isso, o CNE defende que é preciso intervir "ao primeiro sinal de dificuldade" dos alunos, mas também que é preciso repensar os métodos de ensino ainda utilizados pelos professores, já que as aulas são demasiado expositivas.

Maria Emília Brederode Santos acredita que as aulas em que o professor se limita a falar sobre a matéria e os alunos a ouvir podem ter impacto na elevada taxa de insucesso escolar e que Portugal é um dos países onde os professores mais utilizam o método expositivo, apenas ultrapassado pelos irlandeses.

As aulas expositivas são o método seguido por todos os docentes e não apenas pelos mais velhos. Esta opção "não se correlaciona com a idade dos professores, mas sim com práticas enraizadas nos diferentes países", sublinha o relatório.
Desporto e participação cívica
Em entrevista à Antena 1, a nova presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) defende a necessidade de apoiar mais os alunos, quando surgem as primeiras dificuldades, porque as escolas portuguesas continuam a ter muitos chumbos.

Maria Emília Brederode Santos defende também que as escolas devem apostar mais em áreas como o desporto e a participação cívica e diminuir a carga nas chamadas disciplinas nucleares. Esta responsável sublinha que registar o número de reprovações de pouco ou nada serve se não forem tomadas medidas.

“O facto de passar ou reprovar não serve de nada (…) E acho que aí o CNE devia aprofundar essa questão. Deveria fazer um acompanhamento muito próximo, de terreno. Tentar perceber como é que as escolas estão organizadas para haver apoios ao primeiro sinal de dificuldade. Isto é uma coisa que a OCDE costuma dizer: é preciso intervir ao primeiro sinal de dificuldade”, explica a presidente do CNE.

Segundo o relatório divulgado esta terça-feira, mais de 30 por cento dos alunos em 2015 já tinham chumbado pelo menos uma vez, sendo que Portugal é um dos países da OCDE com maior taxa de insucesso escolar.

Já no que diz respeito à taxa de abandono escolar, esta situa-se nos 14 por cento, acima da meta europeia definida para 2020, fixada nos dez por cento.

“Receio que haja um ênfase excessivo na matemática, sobretudo, e não só e que se esqueça outros papéis que a escola deverá ter de enriquecimento cultural, de exercício físico, de desenvolvimento da sensibilidade artística. Por exemplo, uma das coisas engraçadas das conclusões é que os meninos que fazem exercício até têm melhores notas. Tudo isto me parece que tem sido um pouco deixado um pouco de lado com a ênfase nas disciplinas mais académicas”.

O relatório divulgado pelo CNE deixa também algumas notas preocupantes, desde logo a quebra da natalidade no país. Só o primeiro ciclo pode perder cerca de seis mil alunos por ano até 2020.

Numa década, Portugal perdeu mais de 30 mil professores. O relatório aponta também que apenas 0,4 por cento dos professores têm menos de 30 anos.

"O decréscimo no número de alunos e o facto de a idade de reforma estar atualmente nos 66 anos e três meses permitem antever dificuldades de rejuvenescimento do pessoal docente nos próximos anos. Em 2015-2016 no continente a percentagem dos docentes no ensino público com 60 e mais anos era de 6,6% e no privado 3,7%", refere o relatório do CNE.

Ainda assim, assinala-se um crescimento em 2015-2016 no ensino público de 1.639 docentes face ao ano letivo anterior, mas com um impacto reduzido na quebra ao longo da década.

"Esta diminuição pode ser explicada tendo em conta fatores como: a quebra do número de alunos, a reorganização dos agrupamentos de escolas, as alterações curriculares, a redução dos horários zero, as aposentações e as medidas financeiras mais restritivas, tal como foi referido em anteriores relatórios".

A mesma tendência é visível no ensino superior, onde o total de docentes com menos de 30 anos passou de 8,4 por cento em 2006-2007 para 3,7 por cento em 2015-2016. Este decréscimo foi acompanhado, no mesmo período, por um aumento de dez pontos percentuais de docentes entre os 50 e os 59 anos e de cerca de cinco pontos percentuais, dos 6,8 por cento para os 11,5 por cento, na faixa etária de 60 anos ou mais.
Contrariar o "destino"
Os alunos portugueses têm melhorado os resultados em provas internacionais, sendo que muitos frequentam escolas de meios socioeconómicos desfavorecidos e conseguem contrariar o "destino" de insucesso escolar.Em Portugal, educar uma criança entre os seis e os 15 anos custa quase 63 mil euros, sendo que o investimento médio varia entre os 38 mil euros (na Lituânia) e os cerca de 135,5 mil euros (na Suíça).

"Pensamos que seja necessária uma investigação mais próxima do terreno que entre na escola e mesmo na sala de aula, que ouça alunos, professores e direções", diz a presidente do CNE.

O relatório Estado da Educação 2016 sublinha ainda que mais investimento em educação nem sempre é sinónimo de sucesso académico: "Torna-se claro que nem sempre são os países mais ricos e com elevado custo por aluno que alcançam os melhores resultados".

"A nível de resultados essa variação é muito mais reduzida e não se encontra uma relação entre mais dinheiro investido em cada criança e resultados médios mais elevados", lê-se no relatório de quase 400 páginas.

Portugal é, juntamente com a Polónia, um dos países com mais baixos rendimentos per capita onde se registou uma ligeira melhoria dos resultados académicos entre 2012 e 2015.
A indisciplina e a idade dos professores
A capacidade de lidar com a indisciplina está diretamente relacionada com a idade dos professores: com a idade vão ficando menos pacientes e, em especial no 3.º ciclo e no secundário, são os docentes com mais de 50 anos que reportam mais casos de indisciplina.

A maioria dos alunos portugueses do secundário recorre a explicações, sendo os estudantes que estão com mais atenção nas aulas os que conseguem melhores resultados académicos, revela o Estado da Educação 2016.

A forma como os alunos do ensino secundário estuda e se prepara para as provas também é referido no relatório que indica que Portugal tem a percentagem mais elevada de alunos do ensino secundário que recorre a explicações fora do espaço escolar: "61 por cento (dos alunos) declaram ter aulas particulares de Matemática para ter boa nota nos exames”.

Mas existem três ou quatro formas de agir que parecem ajudar no sucesso académico, tendo em conta os bons resultados dos alunos portugueses que participaram em provas internacionais.

Os estudantes com melhores notas dizem que "estão mais atentos nas aulas e resistem ao barulho e à desorganização".

Além disso, estes alunos são mais perseverantes, "pois consideram que não desistir conduz a melhores resultados" e são também "mais autoconscientes da sua responsabilidade".

c/ Lusa
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