Incêndios de outubro. "Tínhamos instrumentos e capacidade suficiente para minimizar extensão do incêndio"

por RTP
Miguel Vidal - Reuters

O Presidente da Comissão Técnica Independente que analisou o que aconteceu nos incêndios de 14, 15 e 16 de outubro diz que "era possível encontrar soluções prévias de previsão e programação que pudessem ter amenizado aquilo que foi a expansão do incêndio". "Tínhamos instrumentos e capacidade suficiente para minimizar aquilo que foi a extensão do incêndio", argumentou João Guerreiro". Esta é uma das principais conclusões do relatório que foi entregue esta terça-feira à Assembleia da República.

"Tínhamos capacidade de antecipação dos acontecimentos, mas não fizemos isso", referiu João Guerreiro aos jornalistas depois de ter entregue o relatório na Assembleia da República.

Em resposta aos jornalistas, o responsável da Comissão admitiu que, "a partir de certa altura, não era possível dominar aquele incêndio".

"Muitas das recomendações de Pedrógão, voltam a repetir-se neste relatório", afirmou, sublinhando que "muitas das considerações estão vigentes". Entre elas, a necessidade de ter flexibilidade de acesso aos meios de combate aos incêndios, abandonando a ideia de “fases” de combate aos fogos.

João Guerreiro relembrou que a estrutura da Proteção Civil, depois alterada, era ainda a mesma dos acontecimentos de Pedrógão.

No relatório entregue esta terça-feira, a Comissão Técnica Independente (CTI) destaca que os acontecimentos de outubro tiveram “outra dimensão, diferente dos de junho de 2017” ao nível do número de ocorrências, área ardida e bens afetados.

Na análise a estes incêndios, onde morreram 48 pessoas, a CTI recupera algumas das recomendações que já tinham sido feitas após o incêndio de Pedrógão Grande.
Comunicado criou expetativa "contraditória"
Segundo o relatório, as condições registadas deveriam ter levado à passagem "a um estado de alerta especial, de nível vermelho" durante o fim de semana destas ocorrências.

Os especialistas sublinham que o comunicado emitido antes de 15 de outubro criou uma expetativa "claramente contraditória", uma vez que se admitia uma situação de precipitação para a tarde do dia seguinte.

Admite-se que esta indicação tenha levado a "um conjunto de tarefas agrícolas, relacionadas com a limpeza do solo, com a renovação de pastagens, que conduziram ao aumento de ignições em período de alerta vermelho".

Mais indica o relatório que a situação ocorreu em "meados de outubro", numa fase de prevenção já fora do período considerado mais crítico - na fase Delta, depois da fase Charlie - e que se tratava de um fim de semana.

"Estes episódios nem escolhem calendários administrativos nem escolhem estações do ano", salientou o responsável da Comissão em resposta aos jornalistas.

Por se tratar de uma época do ano em que estas situações são pouco vulgares, "um número significativo de forças nacionais estava já descontinuado, designadamente os meios aéreos". 
Reforço sem "autorização superior"
Segundo o relatório divulgado na íntegra esta terça-feira, a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) pediu um reforço de meios para combater incêndios em outubro de 2017 devido às condições meteorológicas, mas não obteve "plena autorização a nível superior". O relatório da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios de outubro foi entregue na Assembleia da República esta terça-feira.

"Na audição ao segundo comandante operacional nacional, que à data desempenhava interinamente as funções de comandante operacional nacional, foi-nos referido que, atendendo às condições meteorológicas que se previam, deveria haver um conjunto de reforço de meios, que foram solicitados, mas que nem todos obtiveram, por diversas razões, plena autorização a nível superior", pode ler-se no documento.

Aquando dos incêndios, o dispositivo de combate estava em "plena fase Delta, em que os meios disponíveis e a capacidade instalada é francamente menor do que a prevista e planeada" para a fase Charlie, que costuma decorrer entre 1 de julho e 30 de setembro.

A Proteção Civil propôs para reforço do dispositivo para a fase Delta, entre 1 e 15 de outubro, 105 equipas de combate, tendo sido autorizadas 50, tendo também sido recusadas 200 horas de voo suplementares para duas parelhas de aviões anfíbios médios e 40 operacionais para a Força Especial de Bombeiros (FEB), e ainda uma parelha de aviões anfíbios médios e quatro meios aéreos.

O relatório da comissão técnica independente adianta que, a 10 de outubro, foi proposto novo reforço de meios, tendo sido aprovadas 164 equipas, o acréscimo de 70 horas de voo para aviões anfíbios médios e o prolongamento de locação de oito helicópteros médios até 31 de outubro, mas foi recusado o aluguer de quatro aviões anfíbios médios para 13 a 31 de outubro.

"Depois do período em análise, já foi autorizada a locação de 15 helicópteros ligeiros, com início a 17 de outubro", indica o documento da comissão.

O mesmo documento refere igualmente que a ANPC determinou "a elevação do estado de prontidão e grau de mobilização", mas no âmbito das suas competências não acompanhou "o mesmo nível de alerta, nomeadamente quanto à mobilização de meios aéreos".

Os peritos sublinham ainda que os meios preposicionados ficaram "muito aquém das necessidades, ainda que reativamente, no decorrer do dia 15 outubro e mais particularmente no dia 16 de outubro, se tenha conseguido mobilizar mais alguns grupos de reforço".
"Excecionalidade" das condições meteorológicas
O relatório, com um total de 276 páginas, dividido em oito capítulos, destaca que as condições dos incêndios de outubro “foram diretamente influenciadas pela passagem do furacão Ophelia” por Portugal Continental durante o fim de semana em causa, tendo gerado “períodos de tempo atmosférico com elevadas temperaturas, com reduzida humidade do ar e dando origem a ventos muito fortes”.

“O impacto do furacão Ophelia contribuiu para agravar a situação existente no conjunto do território do continente”, conclui o relatório. A CTI admite ainda que existiu “uma correlação muito forte entre o número de ignições e a excecionalidade das condições meteorológicas”.

Desde logo, a passagem do furacão Ophelia veio piorar ainda mais a situação, ainda que a previsão meteorológica para os dias em causa já apontasse para perigo "extremo" de incêndio e ainda a velocidade do vento e o momento de severidade da seca sazonal.

O documento entregue hoje na Assembleia da República destaca ainda a “enorme dispersão” dos locais onde ocorreram as mortes neste incêndio. As vítimas mortais ocorreram sobretudo entre o final do dia 15 e as primeiras horas do dia 16 de outubro.

Morreram sobretudo pessoas com idade avançada e a grande maioria das vítimas não estava em fuga. Algo que revela, segundo o relatório, a “severidade do fogo e a velocidade da sua expansão”.
Populações "entregues a si próprias"
A CTI conclui, ainda assim, que em muitas situações “não havia possibilidade alguma de combater o incêndio”.

“Nalguns concelhos, o fogo entrou por várias direções, com uma velocidade e severidade nada habitual, pelo que o esforço se concentrou naturalmente na defesa de pessoas e bens. E nem sempre com êxito", assinalam os especialistas.

"O panorama vivido nestes dias, sobretudo no dia 15 de outubro, traduziu-se numa situação de dramático abandono, com escassez de meios, ficando as populações entregues a si próprias”, pode ler-se no documento.

Sobre a instalação dos Postos de Comando Operacional, o relatório conclui que estes estavam “desfasados na sua dimensão e complexidade, não conseguindo corresponder às necessidades exigidas pelo combate ao fogo”.
Maiores fogos da Europa no outono
A comissão destaca neste relatório que os fogos em análise foram os primeiros com esta grandeza durante o outono, tendo provocado sete manchas ardidas na região Centro, cada uma com mais de 10 mil hectares cada.

"Além da extraordinária dimensão, os mega-incêndios de 15 de outubro individualizam-se à escala europeia por serem os primeiros desta ordem de grandeza a ocorrer no outono", refere-se no relatório.

Incluí-se também entre eles "o maior incêndio de que há memória, com início em Vilarinho, Lousã, e área de 45.505 hectares".

Os incêndios ocorridos em outubro de 2017 atingiram 27 concelhos da região Centro, provocaram 46 mortos e cerca de 70 feridos.

Os fogos em causa destruiram total ou parcialmente cerca de 800 habitações permanentes, quase 500 empresas e várias áreas de floresta nos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.

Estes incêndios aconteceram quatro meses depois de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, onde morreram 64 pessoas. A Comissão Técnica Independente já tinha apresentado o relatório relativo a este incêndio que decorreu em junho do ano passado.

O documento em causa analisava os incêndios ocorridos em 11 concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, ocorridos entre 17 e 24 de junho, com especial ênfase com o que sucedeu em Pedrógão Grande.

Concluiu-se, na altura, que o fogo ocorrido a 17 de junho em Pedrógão teve origem em descargas elétricas na rede de distribuição, mas que um alerta precoce poderia ter evitado a maioria das vítimas mortais registadas.

(com Lusa)
pub