Investigadores da UAveiro usam método revolucionário para reciclar plásticos usados no fabrico de garrafas

por Nuno Patrício - RTP

Todos os dias milhões de garrafas de plástico usadas são descartadas pelo consumidor e apenas uma pequena parte é reciclada, por não existirem técnicas eficazes para voltar a produzi-las. Uma limitação que leva a que a maioria do plástico acabe em aterros, ou dispersa, contribuindo para graves problemas ambientais, além de requerer um maior consumo de recursos fósseis para produzir mais matérias-primas. Uma equipa da Universidade de Aveiro debruçou-se sobre a questão, tendo conseguido um processo simples e inovador que permite reciclar infinitamente os PET.

Anualmente são produzidas mais de 400 milhões de toneladas de plástico. Destas, 90 por cento acabam nas lixeiras ou em pontos de incineração. Só uma pequena parte, dez por cento, é reciclada.

A maioria destes produtos - plásticos feitos de polímeros como o PET - tem uma vida única de utilização, ou é reciclada em número de vezes muito limitado. Isto porque o processo tende a diminuir a qualidade do material.

Foi precisamente a pensar na necessidade de uma maior consciência ecológica e de economia circular que uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro procurou desenvolver um processo simples e inovador que permite reciclar infinitamente os PET. E, com isso, ajudar a solucionar a poluição do planeta com plástico, contribuindo assim para uma economia circular e um desenvolvimento mais sustentável.

Em conversa com a RTP, Andreia F. Sousa, coordenadora do estudo e investigadora do CICECO - Instituto de Materiais de Aveiro, explica que este processo agora desenvolvido procura, inicialmente, dar solução às limitações destes produtos.

“O tipo de reciclagem que habitualmente se utiliza é a chamada reciclagem mecânica, que basicamente o que é que faz: é aquecer a garrafa e volta-se a fundir e a extrair (o resíduo resultante – PET reciclado) e depois, no final, teremos uma nova garrafa. Mas esse processo só pode ser feito de uma forma finita”. Ou seja, pode repetir-se um número limitado de vezes, tornando este produto menos nobre, ou menos resistente para a produção de novas garrafas.

O método agora desenvolvido por esta equipa de investigadores, além de ser sustentável e utilizar princípios da química verde, soluciona esta questão, podendo estes PET voltar ao circuito da reciclagem.
O que é um PET?
Denominado por Polietileno tereftalato, o PET é um poliéster termoplástico usado principalmente para a produção de pré-formas, com oito a 15 centímetros de comprimento, que depois são sopradas tomando a forma de garrafas.


Existem outras aplicações do PET, incluindo filmes orientados, tecidos, tubos, fitas de arquear, chapas e cerdas de vassoura. Alguns destes produtos são feitos a partir do PET reciclado, o chamado "PET grau garrafa".

Andreia Sousa refere que, nesta investigação, foi desenvolvida “uma forma simples, mais verde e contínua de fazer reciclagem de poliésteres [uma das famílias de polímeros mais utilizadas no fabrico de plásticos], tais como o PEF [baseado em açúcares das plantas] ou o PET [de origem petroquímica] muito utilizado em garrafas de plástico tipicamente utilizados uma só vez e depois descartadas”.
Na capa da revista científica Green Chemistry
Se dúvidas houvesse quanto à eficácia deste método, a comprovação é dada pela publicação, com honras de capa, na prestigiada revista científica Green Chemistry. Que tal “possa ser um contributo para resolver um problema global” é a expetativa da coordenadora do estudo.

Dada a importância do trabalho, a revista selecionou mesmo o estudo da UA para figurar entre os 30 de uma coleção especial: o 2022 HOT Green Chemistry article.

Processo simples, rápido e infinito

A necessidade de contribuir para um desenvolvimento mais sustentável, reduzindo o impacto ambiental e o consumo de recursos, exige uma revolução social e técnica, em primeiro lugar via redução e consumo inteligente de plástico. Por outro lado, é premente o desenvolvimento de novos processos de reciclagem que permitam a reutilização destes materiais, no âmbito do conceito geral da economia circular, como refere Andreia Sousa à RTP.

“A primeira resposta não vem dos cientistas e não vem de reciclar mais. Vem do reduzir”, isto porque, segundo a investigadora, por muitos métodos e investigações que sejam feitos “não vão nunca responder a um problema de sustentabilidade muito maior que é: nós temos de reduzir a quantidade de plástico que utilizamos”.

Estima-se que cerca de 4.900 milhões de toneladas de polímeros estejam acumuladas em ambientes naturais, terrestres e aquáticos, nomeadamente os PET.

Neste sentido, sublinha Andreia F. Sousa, “a criação de soluções de economia circular para a reutilização e valorização de resíduos poliméricos são desafios globais e estão em linha com a visão da União Europeia para a economia verde e azul e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, nomeadamente o Objetivo 12 - Produção e Consumo Sustentáveis”.

“Hoje em dia as formas existentes para reciclar estes poliésteres são limitadas, porque após alguns ciclos de reciclagem os polímeros perdem performance e, portanto, deixam de poder ser utilizados em aplicações de alto valor”, explica a investigadora.

“Para além disso, reciclar quimicamente um polímero como o PET implicava, até agora, várias etapas, algumas muito demoradas e pouco sustentáveis. Com a abordagem descoberta pela equipa da UA isso não acontece porque para além de o polímero reciclado manter sempre as propriedades originais, o processo é realizado num único passo”.

O uso destes solventes no processo, descobriu a equipa, introduziu uma grande novidade que é o facto de o processo ser realizável num único passo, para além de ser muito simples e poder ser repetido infinitamente.

Os investigadores da UAveiro/CICECO - Beatriz Agostinho, Andreia Sousa e Armando Silvestre (Foto UAveiro-DR)


Um trabalho assinado pelos investigadores do CICECO Andreia F. Sousa, Beatriz Agostinho e Armando Silvestre que demonstra agora ser possível reciclar poliésteres com recurso a solventes eutécticos.

Trata-se de uma mistura de dois ou três compostos químicos que têm um ponto de fusão mais baixo do que os componentes originais, oferecendo vantagens como baixa toxicidade, biodegradabilidade, sustentabilidade e preparação simples.

Antevê-se, com o trabalho concertado desta equipa, um extenso campo de melhoramento de processos, não só pela aplicação de novos solventes eutéticos, bem como pela otimização e extensão deste processo a outros polímeros de origem fóssil (para além dos PET) e renovável, no que será, antevêem os investigadores, “uma contribuição essencial para a circularidade destas famílias de polímeros e para o desenvolvimento sustentável deste sector”.
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