Linha da Frente. Crise de habitação empurra moradores para fora de Lisboa

Ocupações ilegais, bullying, despejos, rendas com preços proibitivos no privado, dificuldades no acesso às habitações sociais, medidas políticas de incentivo para a classe média insuficientes, fundos de investimento imobiliário que crescem a olhos vistos. A reportagem Despejados, do programa Linha da Frente, ouviu moradores, investigadores e ativistas sobre a globalizada Lisboa, a cidade que já não é de quem a habita.

“As pessoas não ocupam casas porque querem, é por necessidade”, desabafa Filipa Ginja. É mãe solteira. Ocupou ilegalmente um apartamento que pertence ao Estado, com as duas filhas menores. Não estava ninguém. O senhor tinha morrido há uns quatro ou cinco anos. A casa ficou vazia e a família entregou-à Câmara Municipal de Lisboa. Não tinha porta de rua, conta Filipa.

A ocupação da casa que pertence à Câmara Municipal de Lisboa aconteceu em maio de 2019. Antes de a ocupar, Filipa vivia num T1, nos arredores de Lisboa. “Pagava 350 euros de renda. A casa começou a degradar e o senhorio não quis fazer obras, explica. A opção era ocupar ou ir viver para a rua. Filipa estava grávida de nove meses da segunda filha, quando tomou a decisão. Procurei casas para arrendar, dentro e fora de Lisboa, mas está muito complicado”, confessa.
T1 por 780 mil euros ou 1200 euros por mês
No coração da capital, há bairros inteiros que pertencem a capitais estrangeiros, onde um T1 se vende por 780 mil euros ou vale 1200 euros por mês no mercado de arrendamento.

"É uma Lisboa que está a saque, há um verdadeiro assalto do investimento, das elites à cidade", afirma Luís Mendes, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território. "A habitação em Lisboa ganhou apenas o conteúdo mercantil, pronto a ser transacionado por valores proibitivos à família média portuguesa", acrescenta o geógrafo.



Geoffroy e Arthur Moreno, dois irmãos franceses, são o rosto de uma das empresas que mais tem investido no mercado imobiliário de Lisboa, nos últimos anos. São os donos da Stone Capital, um Fundo de Investimento Fechado.

Percorremos Lisboa à procura dos imóveis que o Fundo adquiriu nos últimos sete anos. Só na Avenida da Liberdade, naquela que é zona mais cara de Lisboa, a Stone Capital comprou e reabilitou quatro prédios.

No total, os empresários franceses são donos de pelo menos 35 prédios. E o império está a aumentar. O maior projeto da Stone Capital, está a nascer junto ao Panteão Nacional. Trata-se do hospital da Marinha, que o Estado vendeu aos investidores franceses por 18 milhões de euros. Vai ser transformado em 100 apartamentos de luxo.

"São âncoras que vão marcando os territórios e rebentando com o espaço à volta porque é tudo habitação de luxo e essas operações estão a ser feitas com grande cumplicidade da autarquia e do Estado. Não só porque os fundos têm mais isenções fiscais que os pequenos proprietários, mas também porque conseguem ter licenças e fazerem o que querem", afirma Rita Silva da Habita, uma associação que dá apoio a pessoas com problemas habitacionais na área da grande Lisboa.
Quando ocupar é a única solução
Há cada vez mais pessoas a ocupar casas. Segundo a Associação Habita, nesta altura mais de 100 famílias estão a ocupar ilegalmente habitações que pertencem ao Estado. São as situações mais preocupantes que chegam à Habita.



"A maior parte das pessoas que vêm ter connosco são pessoas que vem de famílias mono-maternais, mulheres com crianças, sozinhas. Imagine-se o que é um salário de uma mulher com crianças, como sobrevive? Não tem acesso ao arrendamento privado, ao social, e há uma grande parte que acaba por ocupar. E ocupa porque não tem outra hipótese", acredita a ativista.

É o caso de Sara Santos, outra mãe ocupa. Tem três filhos menores. Foi vítima de violência doméstica. Ocupou uma casa da Câmara Municipal de Lisboa há nove meses. Vive em pânico, com medo de ser despejada.

"Os únicos dias que eu fico tranquila é sábado e domingo, que eu sei que não aparecem aqui, para me porem na rua", confessa Sara.

Veja ou reveja aqui a reportagem Despejados, do programa Linha da Frente.