Menos 80 por cento de tráfego nas autoestradas. Perdas de 186 milhões em 75 dias

por Rosário Lira - RTP
Estela Silva, Lusa

Lembra-se? O ano passado, por altura da Páscoa, nas notícias, escrevia-se sobre as famílias que estavam de férias ou que aproveitavam a tolerância para sair das grandes cidades; o aumento do tráfego nas autoestradas; as filas para chegar ao Algarve; os conselhos das autoridades para os automobilistas descansarem de duas em duas horas; as operações nas fronteiras para receber os emigrantes e a vigilância atenta da GNR para evitar manobras perigosas e excesso de velocidade!

Este ano, a GNR volta às autoestradas mas para controlar se quem circula e transita de concelho em concelho tem autorização para o fazer.Com a pandemia e o Estado de Emergência, tudo mudou e o trânsito também.

Atualmente o tráfego nas autoestradas já regista uma quebra, em média, de 80 por cento. Os números são adiantados à RTP por várias fontes do setor e vão ao encontro do anunciado a 23 de março pelo governo. Com efeito, nesse dia, o ministério das Infraestruturas por referência ao período entre 8 e 22 de março, dava conta de uma quebra da ordem dos 75%, em média, a nível nacional. Entre as autoestradas onde esta redução se fazia sentir mais estava a A1, a A2, a A4, a A23 e a A25.

Contactado pela RTP, o governo adiantou que até ao momento não voltou a fazer contas!

Mas esta tendência de decréscimo da circulação vai acentuar-se com as novas restrições impostas para a Páscoa. Para as concessionárias, a Páscoa, o Natal e o mês de agosto são habitualmente os períodos de maior tráfego, logo de mais receita. Mas este ano não será assim!

Em 2019, a Páscoa celebrou-se a 21 de abril e por isso a circulação de tráfego só foi refletida nas contas das concessionárias no segundo semestre. Veja-se o caso da Brisa, concessionária, entre outras, da A1 (concessão que mais peso tem na circulação da Brisa, com 45%) e da A2 (18,5%). No primeiro trimestre de 2019, a empresa registou um crescimento orgânico de 7,7 por cento, com um tráfego médio diário de 18 290 veículos.

E, no 2º trimestre, já contabilizando o efeito Páscoa, reportou um crescimento de mais 6,3 por cento. No primeiro semestre, a Brisa teve proveitos operacionais de 299,1 milhões de euros, sendo destes, 285,8 milhões em receitas de portagem e 10,6 milhões em receitas relacionadas com as áreas de serviço. Isto significa uma média mês de 50 milhões sem ter em consideração as variáveis de maior ou menor tráfego. Assim sendo, hipoteticamente, num mês, uma quebra de 80 por cento na circulação poderia representar para a Brisa, menos 40 milhões de euros.

Mas vamos a contas gerais. Quanto é que custa esta quebra de 80 por cento no tráfego?
A Rede de Autoestradas de Portugal Continental estende-se por 3087 km, dos quais 541 km encontra-se sob gestão direta ou indireta da Infraestruturas de Portugal (IP). Em 2019 as receitas das concessionárias, sem contar com as ex-SCUT (na gestão da Infraestruturas de Portugal) foram de 1.100 milhões de euros. Isto significa que em 75 dias, em média, a receita ronda os 233 milhões de euros. Ou seja, se houver neste período uma quebra de 80 por cento do trafego, há uma perda de receita de 186 milhões de euros.

Já quanto à IP, em resposta à RTP, a empresa referiu que “neste momento encontra-se a avaliar os impactos sobre a sua atividade provocados pelo estado de emergência decretado, que poderão repercutir-se não só sobre a receita, mas também sobre a despesa”.

Mas mais do que a perda de receita atual, a incógnita, tal como acontece noutros sectores, surge ao nível da retoma. Como e quanto tempo? Recorde-se que o tráfego nas autoestradas só voltou a valores pré troika em 2017, ou seja, seis anos depois das restrições impostas. Será esse o caso? Na verdade não há ainda uma resposta.

A redução do tráfego nas autoestradas começou a verificar-se inicialmente mais nas zonas urbanas e depois alastrou-se também aos meios rurais. No final de março, o ministério das Infraestruturas e da Habitação referia que as quebras de tráfego se tinham feito sentir sobretudo na A1 (Autoestrada do Norte), a A2 (Autoestrada do Sul), a A4 (Autoestrada Transmontana), a A23 (Autoestrada da Beira Interior) e a A25 (Autoestrada das Beiras Litoral e Alta). Mas com esta revelação o ministério não teve por objetivo reportar a quebra de receita mas explicar que tal decréscimo refletia o facto dos portugueses estarem a cumprir as medidas de contenção adotadas pelo Governo e os conselhos da Direção Geral da Saúde, no sentido de “limitarem ao mínimo as suas deslocações”.

Mas neste deve e haver, todos ficam a perder (uns mais do outros, necessariamente…).
As concessionárias cuja receita resulta do pagamento das portagens e o Estado que em relação às ex SCUT, vê a sua receita em portagens baixar e ainda assim tem de continuar a pagar rendas.
Atenção automobilistas. Concessionárias desobrigadas
Ora considerando a situação excecional que se vive, as concessionárias acionaram a chamada clausula de “Caso de Força Maior” a que os contratos obrigam sempre que se verifica um evento que assim possa ser qualificado. Será a pandemia, ou efeitos gerados por esta, um desses casos? Os contratos tem de ser analisados caso a caso.

Hoje mesmo a Brisa revelou ter comunicado ao “Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (“IMT”), na qualidade de representante do Estado Concedente, a ocorrência de um caso de força maior (…) “em virtude da pandemia de COVID-19, como tal qualificada pela Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 2020, e dos potenciais impactos que a mesma possa vir a ter no regular funcionamento das suas infraestruturas rodoviárias concessionadas”.

Neste comunicado a Brisa adverte que “está a avaliar os potenciais impactos deste caso de força maior, assim como das medidas que têm vindo a ser tomadas pelas autoridades competentes para lhe dar resposta, as quais, como é do conhecimento público, encerram relevantes e inéditas restrições à liberdade de circulação de pessoas e ao livre exercício de atividades económicas, nomeadamente ao nível de obrigações contratuais cujo cumprimento possa vir a ser impedido ou dificultado e, bem assim, dos direitos, legais e contratuais, que lhe assistem face ao expectável decréscimo nos níveis de tráfego resultante dessas medidas”, ou seja, eventuais pedidos de compensações financeiras.

E atenção ao seguinte: Acionar esta clausula significa que a concessionária fica desobrigada de prestar certos serviços. Refira-se aliás que há já jurisprudência sobre esta matéria na litigância entre particulares e concessionárias onde os tribunais referem que “o caso de força maior devidamente verificado exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados”.

Mas para além de conferir menos proteção aos utilizadores, os automobilistas, a cláusula de Força Maior permite às concessionárias vir a pedir o reequilíbrio financeiro. Para o efeito terão de provar que a pandemia e as medidas decretadas pelo governo decorrentes dessa circunstância provocaram quebras de receita significativa que de outra força não se teriam verificado e tem de fazer prova disso mesmo, ou seja, da existência de um desequilíbrio financeiro.

O primeiro ministro já disse que as concessionários de autoestradas em Portugal não vão ter direito a qualquer compensação pela queda do tráfego durante o Estado de Emergência, uma vez que a pandemia não está prevista nos contratos, como uma das condições para haver compensações ou reequilíbrios contratuais.

Em entrevista à RR, António Costa referiu: “Não nos pareceu, ao Presidente da Republica também não, e à Assembleia da República também não, que fosse o momento para que pudessem ser invocadas clausulas dessa natureza”, acrescentando: Estas cláusulas “seguramente não foram pensadas para uma situação de Estado de Emergência causada por uma pandemia desta natureza, mas por fatores de disrupção politica ou social para se protegerem”. Logo acrescentou: “Neste caso, não e imputável a responsabilidade a ninguém, portanto, seguramente não deve ser um fator de compensação ou de reequilíbrio contratual”.
Espanha prolonga contratos para compensar prejuízos
Em Espanha o Real Decreto Lei de 8/2020 de 17 de março não seguiu a mesma linha de pensamento.

No país vizinho há um total de 3.875 quilómetros de autoestradas com portagem. Em Espanha desde que foi declarado o Estado de Emergência verificou-se uma redução da circulação entre os 60 e os 80 por cento. No último domingo chegou mesmo aos 95%, o que corresponde a 50 mil veículos em circulação nesse dia em todo o país.

O Governo considera que as quebras de receita resultantes de decrescimento de circulação podem resultar “num eventual prejuízo na capacidade de pagamento e na robustez dos seus rácios financeiros” e por isso decidiu, no artigo no artigo 34 do referido RDL, “dar o direito ao concessionário ao restabelecimento do equilíbrio económico do contrato, através da ampliação da sua duração inicial até um máximo de 15 por cento ou à modificação das cláusulas de conteúdo económico previstas no contrato.

Quer isto dizer que em Espanha, em vez de compensar financeiramente as concessionárias por eventuais danos se optou por prolongar o período da concessão na medida considerada necessária para a compensação das perdas verificadas no período declarado como Estado de Emergência.

Em Portugal será preciso aguardar para saber se as concessionárias vão reclamar compensações financeiras e se a comissão constituída para o efeito vai aceitar a prova feita. Ou se entretanto governo e concessionárias chegam a um acordo.
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