Ministro da Educação: "Para uma negociação, tal como no tango, são precisos dois"

por RTP
Miguel A. Lopes - Lusa

Tiago Brandão Rodrigues foi ouvido na Assembleia da República esta sexta-feira a propósito da discussão da organização do próximo ano letivo, a carreira e os concursos dos professores. Depois de um debate aceso, em que foi dominante a discussão sobre a recuperação do tempo de serviço dos docentes, o ministro da Educação negou ter feito chantagem com os docentes e sindicatos e garantiu a disponibilidade do Governo para negociar.

"Pela parte do Governo, pela minha parte, existiu, existe e existirá, o que negociar e vontade de negociar. Sucede que para uma negociação, tal como acontece no tango, são precisos dois. Neste momento, estamos ainda à espera que haja passos das duas partes que estão neste momento a negociar", afirmou o ministro da Educação, durante a intervenção no debate que decorreu esta sexta-feira na Assembleia da República. 


A discussão de atualidade partiu da iniciativa do PCP, que quis levar ao Parlamento a polémica à volta do tempo de serviço dos professores. Isto depois de o ministro da Educação ter ameaçado, no início do mês, que o Governo retiraria a sua proposta de contabilizar cerca de dois anos e nove meses caso os sindicatos e docentes não mostrassem flexibilidade.

Os docentes e sindicatos exigem ver contabilizados nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço que estiveram congelados.

No dia seguinte, durante o debate quinzenal no Parlamento, a 5 de junho, o primeiro-ministro António Costa voltou a abrir a porta às negociações. O chefe de Governo afirmou que a proposta continuava em cima da mesa, caso os sindicatos estivessem disponíveis a negociar.

Esta sexta-feira, o ministro Tiago Brandão Rodrigues esclareceu que não quis fazer chantagem com os professores. "Quero dizer claramente que não está no meu léxico. (...) Eu em nenhum momento fiz chantagem. Disse às organizações sindicais que tínhamos uma posição em cima da mesa, e esperava pela parte dos sindicatos, uma posição em cima da mesa", referiu o ministro.

"Muito provavelmente isto estraga uma boa história, estraga uma boa história de eu ter dito uma coisa e o senhor primeiro-ministro ter dito o seu contrário. Quero dizer aqui que isso não é verdade", acrescentou.

Tiago Brandão Rodrigues enfatizou ainda que respeita "enormemente" professores e sindicatos, e que o Governo não é "inflexível nem autoritário". Nega, por isso, ter rompido qualquer diálogo ou ter sido intolerante no diálogo om os docentes e representantes sindicais.

"O programa do Governo previa que o relógio voltasse a contar", lembrou o ministro, sublinhando no entanto que "o relógio conta para a frente e não para trás". Tiago Brandão Rodrigues diz que, mesmo assim, o Ministério da Educação acabou por ir "além do programa do Governo".
Críticas à esquerda e à direita

Foram vários os partidos que censuraram o executivo pelos últimos desenvolvimentos na negociação com professores e sindicatos. O Governo esteve isolado, colhendo críticas que vieram de todas as bancadas: à esquerda, por parte dos próprios parceiros que sustentam a maioria parlamentar (Bloco de Esquerda, PCP e PEV), mas também de CDS-PP e PSD, que acusam os primeiros de cumplicidade com o executivo.

Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, diz que o ministro da Educação "escolheu a via da humilhação" ao propor aos professores a recuperação de 30 por cento "ou nada".

"Estas pessoas confiaram no senhor ministro" e "nunca deram mandato ao senhor ministro para reeditar o discurso de Maria de Lurdes Rodrigues", criticou, recordando a ministra do Governo de José Sócrates.

Para Joana Mortágua "o senhor ministro vive hoje uma grande crise de confiança". "Há 120 mil professores neste país que acreditaram no compromisso do governo na recuperação integral do tempo de serviço", disse a deputada bloquista.



João Oliveira, do PCP, diz que o Governo não apresentou nenhuma proposta aos professores. Da mesma bancada, a deputada Ana Mesquita definiu "três mitos", designadamente que o Governo e sindicatos têm de negociar o tempo de recuperação dos anos de serviço congelado, que existe progressão automática da carreira docente, e ainda as contas apresentadas pelo Governo.

Ana Mesquita lembrou ainda os dados da OCDE, que indicam que, em média, os professores da OCDE "chegam ao topo da carreira em 24 anos e em Portugal são 34". A deputada comunista lembra que, ainda assim, "há inúmeros professores que passam 10, 20, 30 anos como contratados antes de entrarem para a carreira".

Heloísa Apolónia, do PEV, critica o "desplante" do executivo em "violar a norma do Orçamento de Estado". "Em Portugal há dinheiro para muita coisa, mas quando se trata da carreira é preciso puxar, puxar e puxar", acrescentou a deputada dos Verdes.

À direita, Margarida Mano do PSD acusa o Governo de ter "enganado os professores", e ainda de "mentir ao Parlamento e a povo português". A deputada social-democrata questionou o executivo sobre o momento em que se apercebeu que não tinha dinheiro para repor o tempo congelado aos docentes. "Foi agora em junho?", questionou. Afirmou ainda que "se foi só agora", então "o Governo é incompetente".

Ana Rita Bessa, do CDS-PP, refere que o primeiro-ministro "por uma vez disse verdade entre tantas outras", em que decretou fim da austeridade. A deputada reconheceu, ainda assim, o "impacto orçamental considerável" da recuperação do tempo de serviço e criticou os restantes partidos por terem criado "expectativas que depois, enquanto país, não podem ser cumpridas".

(c/ Lusa)
pub