Portugal retira queixa contra Espanha no caso Almaraz

por RTP
Rafael Marchante - Reuters

Portugal e Espanha alcançaram um acordo amigável a respeito do caso de Almaraz. Os dois países comprometem-se a encetar "um diálogo e um processo de consulta construtivo", com o objetivo de resolverem o atual litígio sobre a construção de um aterro de resíduos nucleares. A Comissão Europeia congratula-se com este acordo, que considera ser um bom exemplo de como os Estados membros da União devem ultrapassar diferendos.

A decisão resulta da reunião realizada em Malta, em 3 de Fevereiro de 2017, por iniciativa do presidente Jean-Claude Juncker, anunciou esta terça-feira a Comissão Europeia, em comunicado.

Numa declaração conjunta assinada pelo primeiro-ministro português, António Costa e por Mariano Rajoy, os dois líderes sublinham os "enormes desafios económicos, sociais e geopolíticos que a União Europeia enfrenta neste momento".

E acrescentam: "os litígios entre Estados-membros que são tradicionalmente aliados, devem ser resolvidos rapidamente, de forma consensual e num espírito de cooperação".
No quadro desta resolução amigável, terá lugar nos próximos dias uma visita conjunta ao à central nuclear de Almaraz, que irá contar com a participação da Comissão Europeia.

"A visita e o processo de consulta permitirão às partes analisar e ter em conta as preocupações legítimas quanto a este projeto e acordar medidas adequadas para dar resposta a estas preocupações de forma proporcional", pode ler-se no mesmo comunicado.

Em consequência, Portugal compromete-se a retirar a queixa contra Espanha, apresentada em 16 de janeiro de 2017, nos termos do artigo 259.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Já Espanha compromete-se a congelar a obra até obter luz verde de Portugal.

Para o Governo português, o acordo com Espanha vai permitir conhecer o estudo de impacto ambiental. O ministro dos Negócios Estrangeiros nota que Portugal não abdica de voltar a apresentar queixa caso Espanha não cumpra o acordado.

A Comissão Europeia congratula-se com este acordo, que considera ser um bom exemplo de como os Estados membros da União devem ultrapassar diferendos.
Associação Zero espera para ver
A associação ambientalista Zero considera que o acordo entre Portugal e Espanha "revela que a contestação está a dar algum resultado". Rui Berkemeier avisa no entanto que é preciso esperar para ver "o que é que o acordo nos traz", uma vez que poderá não resolver o problema.

"Temos de ter mais informação porque este é um projeto que não tem qualquer sentido. Toda a sociedade portuguesa o tem protestado e já está completamente fora de tempo face ao que é o desenvolvimento das energias renováveis e aos perigos da energia nuclear", afirma o responsável da Zero.

Rui Berkemeier espera que "Portugal saiba bem negociar esta situação" e "seja rígido na defesa dos interesses do nosso país". O ambientalista assinala que "toda a transparência é sempre bem-vinda" sublinha que a "questão de fundo não está resolvida".

"O prolongamento do tempo de vida da central parece-nos que não faz qualquer sentido e é a continuação de uma aposta do governo espanhol em tecnologias que já deveriam estar abandonadas no dia de hoje", insiste Berkemeier.

A associação ambientalista Zero denuncia os interesses em torno da energia nuclear e as pressões exercidas. "Esta central tem de encerrar. O seu tempo de vida está a chegar ao fim", afirma.

"Ao não permitirmos a construção deste depósitos de resíduos estamos a dar uma sentença de morte à central que é o que pretendemos", conclui o representante da associação ambientalista.
A avaliação dos impactos transfronteiriços
Recorde-se que Portugal apresentou queixa em Bruxelas contra Espanha depois de os Governos dos dois países não terem conseguido chegar a acordo sobre a construção de um aterro nuclear na central de Almaraz, que Lisboa contesta.

O Governo português defendeu na altura que no projeto de um aterro de resíduos junto à central nuclear de Almaraz "não foram avaliados os impactos transfronteiriços", o que está contra as regras europeias.

Nessa visita será também analisada a necessidade de realizar um estudo de impacto ambiental transfronteiriço, pedido por Portugal desde o início do processo.
O acordo alcançado não prevê a suspensão do projeto, mas Espanha compromete-se a não tomar medidas irreversíveis antes da visita técnica conjunta das autoridades portuguesas e dos representantes da Comissão Europeia.
O processo para a construção do Armazém Temporário Individualizado (ATI) da Central Nuclear Almaraz teve início em 18 de novembro de 2015, quando o diretor-geral das Centrais Nucleares de Almaz-Trillo (CNAT) solicitou a autorização para a construção do armazém de resíduos nucleares, com o objetivo de resolver as necessidades de armazenamento do combustível gasto nos reatores.

A funcionar desde o início da década de 1980, a central está situada junto ao Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre, sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada pelo Tejo depois de o rio entrar em Portugal.

A decisão de Espanha deu origem a diversos protestos, tanto da parte das associações ambientalistas portuguesas e espanholas, como dos partidos políticos na Assembleia da República.
Compromissos a que estão obrigados os dois países:
Espanha:


a) Partilhará com Portugal toda a informação pertinente em matéria de ambiente e segurança nuclear e facultará, se for caso disso, toda a informação necessária com vista a determinar a ausência de efeitos significativos do projeto no território português.

b) Organizará, o mais rapidamente possível, uma visita das autoridades portuguesas às instalações, a fim de expor a tecnologia e as características de segurança propostas, além de todas as reuniões de informação e de esclarecimento necessárias. Esta visita irá contar com a participação da Comissão Europeia, designadamente representantes de alto nível do gabinete do Presidente Juncker e das Direções-Gerais do Ambiente e da Energia, que serão convidados para o efeito.

c) Não emitirá nem executará a autorização para iniciar o funcionamento do armazém de resíduos nucleares até que as autoridades portuguesas tenham analisado as informações pertinentes e a visita se tenha realizado. A visita e o intercâmbio de informações terão lugar no decurso dos próximos dois meses. Durante este período, a Espanha abster-se-á de tomar quaisquer medidas que possam ser consideradas irreversíveis por qualquer das partes do acordo ou passíveis de comprometer o resultado da consulta a Portugal. Ao invés, este período deverá ser aproveitado para analisar e ter em conta, num espírito construtivo e de boa-fé, qualquer preocupação legítima formulada por Portugal quanto ao projeto, bem como para ponderar a possibilidade, no interesse de boas relações de vizinhança, de qualquer medida adequada que possa contribuir para dirimir as preocupações legítimas manifestadas por Portugal.

Portugal:


a) Comprometer-se-á, à luz dos contactos estabelecidos no sentido de uma resolução amigável, a retirar a sua queixa apresentada nos termos do artigo 259.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), sem prejuízo da possibilidade de recorrer ao artigo 259.º do TFUE no futuro.

Além disso, Espanha e Portugal aceitam acelerar, em conjunto com a Comissão Europeia, os trabalhos do Grupo de Alto Nível em matéria de interligações no Sudoeste da Europa, a fim de desenvolver os projetos de interligação das redes de gás e de eletricidade necessários para assegurar as ligações entre Portugal e Espanha, bem como entre a Península Ibérica e os mercados europeus. Tal irá aumentar a segurança do abastecimento energético da Europa, melhorar a fiabilidade do sistema de eletricidade, aumentar a qualidade do serviço e reduzir as perdas de produtividade nos setores comercial e industrial.

A existência de níveis ambiciosos de interligação reverterá em benefício da Europa, uma vez que a otimização do sistema irá conduzir a uma redução das importações de combustível e do preço da energia.
Tópicos
pub