Proteção de Dados não autoriza divulgação integral de capítulo do relatório de Pedrógão

por RTP
Reuters

A Comissão Nacional de Proteção de Dados emitiu o parecer sobre o capítulo "oculto" do relatório aos incêndios de Pedrógão Grande elaborado por Xavier Viegas. Considerou que o capítulo não deve ser tornado público na íntegra, já que “expõe as pessoas num grau muito elevado”.

O capítulo em causa contém informação sobre as circunstâncias em que ocorreram as 64 mortes no incêndio de junho. O parecer agora emitido argumenta que a publicação desta parte do relatório “expõe as pessoas num grau muito elevado, afetando significativamente os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais, sem que se alcance a imprescindibilidade do conhecimento dessa informação pessoal detalhada para a avaliação da atuação dos organismos públicos dependentes ou sob tutela do MAI”.

O Ministério da Administração Interna tinha pedido um parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados sobre esta parte do relatório, que não foi divulgado na totalidade. O investigador Xavier Viegas tinha argumentado que não existiam referências a nomes ou dados pessoais. O capítulo seis é o mais extenso do relatório que foi entregue na íntegra ao Executivo de António Costa e aponta falhas no socorro às vítimas.

A 16 de outubro, foi entregue ao Governo o relatório de Domingos Xavier Viegas, que na altura foi divulgado à exceção do capítulo seis, que faz uma descrição detalhada sobre as últimas horas de vida das vítimas mortais do incêndio que deflagrou em Pedrógão Grande a 17 de junho, bem como o que sucedeu ou terá sucedido com os sobreviventes durante os fogos.

O relatório foi divulgado ainda pela ex-ministra Constança Urbano de Sousa, mas o atual ministro Eduardo Cabrita pediu à CNPD que se pronunciasse sobre os termos da eventual divulgação pública do capítulo seis.

No parecer, a Comissão de Proteção de Dados reconhece o esforço para retirar os nomes das vítimas, mas considera que ainda assim “é possível relacionar os factos e situações descritas com as vítimas, testemunhas e sobreviventes e, com isso, identificar a quem dizem respeito”.
Excertos passíveis de serem publicados
No entanto, o parecer vem dizer que uma parte do capítulo 6 do relatório “parece ser suscetível de suportar uma efetiva anonimização”, concluindo que três subsecções do capítulo podem ser publicadas após este processo de retirada de elementos que ainda podem permitir indiretamente a identificação das pessoas ou de cada um dos intervenientes mencionados der consentimento expresso e específico para a publicação.
 
Um desses pontos do relatório de Xavier Viegas refere-se a situações de prestação de socorro, “que corresponde a uma das principais funções públicas e, como tal, sujeita a um reforçado acompanhamento e controlo pela sociedade, assuma uma especial relevância à luz do princípio da transparência pública”.

Neste caso, a Comissão Nacional de Proteção de Dados considera que este ponto tem menos referências a situações particulares, “pelo que a eventual operação de anonimização parece permitir ainda a compreensão do texto”, o que não acontece com grande parte deste capítulo, em que a anonimização do texto o deixaria incompreensível.

Ou seja, neste caso, a Proteção de Dados diz não ter nada a obstar à publicação do teor dessa parte do capítulo, com uma nova redação que contenha menos dados de identificação, ou se todos os intervenientes mencionados der consentimento expresso e específico.
Dados estatísticos seriam suficientes
A Comissão Nacional considera que o capítulo contém muitos elementos de identificação, pormenores da vida privada, apreciações subjetivas dos sobreviventes e dos autores do relatório que “em nada relevam para aferir a eficácia ou ineficácia da atuação pública”. Detalhes das circunstâncias pessoais e das últimas horas de vida das vítimas que estão “para lá daquilo que é desejável num ordenamento jurídico que protege a vida privada como valor fundamental e que apenas justifica a sua exposição na estrita medida do necessário”.

A Proteção de Dados considera que “a publicação dos dados estatísticos, sem dados pessoais, alcança a finalidade da transparência pública”.

Dados como “o número de casos em que, por causa da quebra da energia elétrica, não foi possível assegurar através do uso de água a proteção das pessoas e das casas e em quantos casos isso justificou a fuga das pessoas a pé ou em veículo, bem como o número de casos em que as comunicações telefónicas falharam impossibilitando o pedido de ajuda, e os casos em que a ajuda foi pedida e não foi atempadamente recebida”.

“Já a publicitação pormenorizada do que cada uma das pessoas fez (ou terá feito) parece não trazer ao público em geral um conhecimento relevante para ajuizar do modo como atuou ou não atuou o poder público”, pode ler-se no parecer.

A Comissão Nacional considera que essa informação estatística, não acompanhada de pormenores sobre a vida pessoal das vítimas afigura-se ser suficiente para garantir a finalidade visada” de controlo dos poderes públicos.

Por essa razão, a Comissão Nacional de Proteção de Dados considerou que a publicação deste capítulo 6 do relatório é um “meio não indispensável para atingir a finalidade de transparência da atuação das entidades públicas nos incêndios de Pedrógão”, concluindo que, nos termos em que está apresentado, este capítulo não pode ser publicado pelo Ministério da Administração Interna ou qualquer outra entidade”.

Apesar da decisão, a Comissão Nacional de Proteção de Dados reconhece o direito aos familiares diretos das vítimas dos incêndios podem ter conhecimento parcelar no capítulo em causa do relatório, nas partes que digam especificamente respeito aos respetivos parentes falecidos. O Ministério da Administração Interna tinha considerado que a divulgação do relatório visava também o interesse das famílias das vítimas, tanto para saberem o que se passou, mas também para poderem acionar as indemnizações devidas.
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