PSD e BE querem explicações do Governo sobre menores retidos pelo SEF

por RTP
Reuters

Esta segunda-feira dá entrada no parlamento uma pergunta do Bloco de Esquerda ao Ministério da Administração Interna sobre a notícia de menores estrangeiros retidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto de Lisboa. O PSD também já pediu explicações ao Governo. Em causa está uma notícia do Público que a ONU enviou um alerta à Provedoria de Justiça a propósito de um número elevado de crianças detidas no Centro de Instalação Temporária do SEF no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras alega, em comunicado, que as crianças não estão detidas, mas sim retidas para verificação de identidade.

A notícia provocou o repúdio do PSD e Bloco de Esquerda. Os dois partidos exigem respostas do Governo sobre este caso, argumentando que é necessário parar de imediato com esta prática que contraria o que está previsto nas normas internacionais sobre os direitos das crianças, definidas pela ONU.

O Ministério da Administração Interna convocou a Provedora da Justiça e o Conselho Português para os Refugiados para uma reunião.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras alega, em comunicado, que as crianças não estão detidas, mas sim retidas para verificação de identidade.

Na nota, o SEF esclarece que o que tem mudado desde 2016 foi o "paradigma, com mais pessoas a chegar indocumentadas e com fortes indícios de tráfico de menores".

"Nos últimos anos, temos assistido a um afluxo de adultos acompanhados por menores que pedem asilo em Portugal, sem apresentarem documentos de identidade e/ou documentos que comprovem o vínculo familiar ou a autorização dos progenitores para viajarem com a criança", escreve o SEF.

"Normalmente, a criança também está indocumentada ou apresenta documentos falsificados", lê-se na mesma nota.

O Serviço de Estrageiros e Fronteiras esclarece que, nestes casos, "são realizadas diligências para se verificar a identidade das crianças e é dado um prazo aos adultos para apresentarem a documentação, o que, a não acontecer, pode indiciar tráfico de menores, havendo necessidade de se aguardar junto do Tribunal de Família e Menores a medida de promoção e proteção, bem como a designação de representante legal".

Os menores não acompanhados com 16 ou menos anos são encaminhados para o Centro de Acolhimento da Criança Refugiada após a apresentação do pedido de asilo. O Conselho Português para os Refugiados revela, pelo seu lado, que nos últimos dois anos o período de espera destas crianças nos Centro de Instalação Temporária (CIT) tem aumentado de alguns dias para algumas semanas.

No caso de menores não acompanhados indocumentados que declarem ter mais de 16 anos, "podem permanecer algum tempo no CIT para se averiguar a identidade/idade e obter do Tribunal de Família e Menores indicação do Centro de Acolhimento apropriado".

"Muitas vezes vem-se a verificar posteriormente serem maiores de idade. Nestes casos, a permanência no CIT não ultrapassa os sete dias", destacou o SEF.

O Público, que visitou o CIT do Aeroporto de Lisboa, encontrou uma criança de três anos que estava, há um mês e meio, a pernoitar num colchão no chão junto à cama da mãe, numa camarata que pode chegar a ter 16 pessoas.

Neste caso concreto, o SEF esclarece que "dois adultos viajaram com uma criança, estando todos indocumentados, não tendo os adultos apresentado comprovativos da identidade verdadeira, nem da menor, bem como da relação de parentesco invocada".
Segundo a Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por Portugal, a detenção de um menor por causa do estatuto legal dos pais é uma violação dos seus direitos.

"O pedido de asilo não foi admitido por falta de fundamentação legal. Apresentaram recurso judicial, que tem efeito suspensivo automático e, por esse motivo, ficam retidos no CIT", salientou.

O SEF realçou ainda que foi adjudicada este mês a empreitada para a construção de novas instalações do Centro de Acolhimento Temporário (CATA) do SEF em Almoçageme, Sintra, que terá capacidade para acolher até 50 pessoas, com duas alas distintas em função do género, e uma ala para famílias.

Atualmente, existe um Centro de Instalação Temporária (CIT) no Porto, a Unidade Habitacional de Santo António (UHSA) e três Espaços Equiparados a CIT (EECIT), sitos em Lisboa, Porto e Faro.

O EECIT de Lisboa tem capacidade para 58 pessoas, a quem é distribuído um kit de higiene, cinco refeições ao dia "respeitando as regras alimentares impostas pelas convicções filosóficas ou religiosas do cidadão" e um espaço com materiais didáticos para crianças, "permanecem sempre junto dos respetivos familiares".

"Os passageiros têm acesso ao pátio de recreio, da respetiva área de alojamento, dentro do horário de abertura", acrescentou.

No ano passado, 64 por cento dos pedidos de asilo foram rejeitados em Portugal. Dos 1.750 candidatos, apenas 119 conseguiram o estatuto e 136 a proteção subsidiária. ACNUR apela a Provedora da Justiça
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) já pediu a intervenção da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, entidade a quem cabe desde 2013 monitorizar periodicamente a inspeção e monitorização dos locais com pessoas detidas ou condicionadas na sua liberdade.

A provedora mostrou-se preocupada, considerando que os CIT são "o verdadeiro no man's land contemporâneo", locais "híper voláteis", onde "as pessoas não têm ninguém".

A provedora disse ainda que não tem meios suficientes para fazer as visitas de monitorização, que deveriam ser três por mês, e "critica o facto de a resolução de 2013 que lhe atribuiu aquelas funções não ter sido acompanhada por nenhuma medida concreta de apoio logístico, ou seja, de pessoal", cita o Público.

O relatório anual do Mecanismo Nacional de Proteção (MNP), entregue em junho à Assembleia da República, denuncia que as instalações de Lisboa não têm condições para famílias. PSD pede explicações ao Governo
O PSD pediu hoje explicações ao Governo sobre a permanência, no aeroporto de Lisboa, de menores de idade junto aos pais requerentes de asilo, contra o que é previsto pelas normas internacionais sobre os direitos das crianças.

"O mais importante é parar de imediato com esta prática. Isso é fundamental. Em segundo lugar, que o Governo venha explicar porque é que isto aconteceu", disse à Lusa o deputado Duarte Marques, em representação do PSD.

Duarte Marques salientou que Portugal tem "uma tradição e prática política" de bom acolhimento de refugiados e de respeito pelos direitos humanos.

"Isto viola claramente uma das prioridades das políticas internacionais e nacionais da forma como se tratam os refugiados que tem a ver com a exceção e a excecionalidade das crianças", considerou o deputado, relator do Conselho da Europa para uma política de respeito pelos direitos humanos e o acolhimento de refugiados.

"O Governo tem de vir explicar porque é que no melhor pano cai a nódoa. Portugal é um país respeitado nesta matéria, é um país exemplar nesta matéria e agora, de repente, somos confrontados com uma situação que tem comparação com países com as piores práticas na sua relação com os refugiados", realçou.
BE fala em prática "inconcebível"
O Bloco de Esquerda condenou que crianças requerentes de asilo fiquem retidas no aeroporto de Lisboa contra recomendações da ONU e vai questionar o Governo sobre esta prática "inconcebível", esperando que o executivo se sinta pressionado a terminá-la imediatamente.

"Amanhã (segunda-feira) dará entrada no parlamento uma pergunta do BE ao Governo, designadamente ao Ministério da Administração Interna, para o confrontar com a necessidade de alterar radicalmente este comportamento e com as suas obrigações internacionais, porque o Estado português é Estado parte na convenção dos direitos da criança e portanto ou leva a sério essa circunstância ou, se não leva, a situação é grave", condenou o deputado do BE José Manuel Pureza, em declarações à agência Lusa.

Para o deputado do BE esta prática "é absolutamente inconcebível em qualquer país, em qualquer momento e em qualquer lugar", esperando que com a pergunta bloquista" o Governo se sinta pressionado para dar indicações ao SEF para que esta prática termine imediatamente".

"Ainda recentemente o país mobilizou-se - e bem - para criticar a prática da administração norte-americana de separação forçada de crianças das suas famílias na fronteira entre os EUA e o México. O problema é que é tão criticável separar à força crianças das suas famílias nos Estados Unidos como é criticável juntar crianças às suas famílias para que elas fiquem detidas", comparou.

De acordo com José Manuel Pureza, "a detenção é sempre um resultado objetivo", não se podendo "aceitar que assim seja porque isso é contrário a todas as regras da decência e até às próprias obrigações jurídicas do Estado português".

"Esta prática do SEF de agora é uma prática diferente daquela que o Estado português teve, que era uma prática consonante com as nossas obrigações no âmbito da convenção dos direitos da criança", recordou.

c/Lusa
pub