Santos Silva rejeita comparação entre "bom imigrante português em França" e outros migrantes

por Lusa

Paris, 20 jan (Lusa) -- O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, rejeitou hoje em Paris a ideia do "bom imigrante português em França por contraposição ao mau imigrante", numa reação a uma petição que recolheu mais de 800 assinaturas.

O abaixo-assinado, contra a "instrumentalização da história da emigração" portuguesa para França, denuncia a utilização da imagem do português como "o bom imigrante" contra, por exemplo, imigrantes africanos e começou por ser publicado numa tribuna do jornal Le Monde, a 09 de janeiro.

Em resposta à Lusa na feira Maison & Objet, em Paris, Augusto Santos Silva sublinhou que "não compete a um membro do governo estar a comportar-se como se fosse um cidadão peticionário", mas afirmou "compreender o sentido dessa petição".

"O caso português é um caso exemplar do ponto de vista de migrantes que sabem preservar a sua identidade nacional e que sabem adaptar-se à sociedade que os acolhe, respeitando as suas regras, os seus valores, as suas instituições e as suas leis. Mas não há o bom imigrante português em França por contraposição ao mau imigrante, seja ele de que região, de que religião ou de que origem étnica for", declarou.

O ministro acrescentou que "as migrações são um movimento positivo na história da Humanidade" e que "o que é preciso é regular as migrações" para combater a imigração ilegal, o tráfico de seres humanos e para "garantir oportunidades de integração na sociedade, no mercado de trabalho, na economia às pessoas que procuram uma vida melhor para si e para os seus filhos".

A petição, disponível na plataforma online Change.fr, foi escrita pelo historiador Victor Pereira e pelo jornalista Hugo dos Santos, depois de a sua carta-aberta no Le Monde ter sido subscrita por 49 pessoas, nomeadamente especialistas da emigração portuguesa para França, sociólogos, realizadores e professores universitários.

O texto no Le Monde surgiu em resposta às declarações de dois jornalistas e de um académico franceses que defenderam, na imprensa gaulesa, que não havia violência no tempo dos bairros de lata portugueses de Champigny-sur-Marne, numa comparação com os violentos incidentes ocorridos naquele local na noite de fim de ano.

A petição recorda os trabalhos do sociólogo Albano Cordeiro, nos anos 1980, que referem "a dinâmica social que consistia em tornar invisível a imigração portuguesa para ampliar a rejeição dos imigrantes magrebinos".

"Ou seja, quanto mais os `árabes` se tornavam indesejáveis, mais os portugueses se tornavam invisíveis e, por isso, `integrados`. Estas imigrações estão ligadas desde sempre como duas faces da mesma moeda e unidas pelo mesmo desprezo expresso por uma parte da sociedade de acolhimento", continua.

Por outro lado, o documento indica que "as afirmações sobre o bairro de lata português de Champigny-sur-Marne são pura e simplesmente falsas e não verificadas" porque havia uma "violência simbólica e arbitrária" a que eram submetidos os portugueses, com medo permanente de serem denunciados à PIDE [polícia política do antigo regime] e com medo de serem realojados e afastados dos seus próximos.

O texto indica, também, que "contrariamente à imagem assética que se cola aos portugueses, as autoridades temiam as suas reações" e que "os trabalhadores portugueses também sofreram a rejeição de certos vizinhos que se queixavam destes estrangeiros e exigiam a intervenção das forças da ordem".

"A clandestinidade, a exploração, os bairros de lata, o racismo: vivemos todas estas experiências como as vivem - a níveis ainda mais intensos - os imigrantes africanos de ontem e de hoje", continua o documento, que recorda "episódios de revolta e de combate" como o de Lorette Fonseca, uma imigrante portuguesa que militou pela alfabetização do bairro de lata de Massy e que foi ameaçada de expulsão.

Na conclusão, o texto insiste que se opõe "publicamente à instrumentalização" da história e da memória da emigração portuguesa para França "que também fazem parte da história de França".

"Estas manipulações querem reforçar o racismo que atinge hoje algumas populações estigmatizadas, da figura do `muçulmano` à do `Rom`", conclui o documento.

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