Selminho soube "pelos jornais" que parte de terreno da Arrábida era da Câmara do Porto

por Lusa

Sócios da empresa Selminho, imobiliária do presidente da Câmara do Porto e família, revelaram hoje em tribunal ter sabido "pelos jornais" que era municipal parte do terreno que compraram na Arrábida a um casal que o registou por usucapião.

"Penso que tive conhecimento quando saiu nos jornais. Tanto quanto sei, a Câmara do Porto nunca contactou a Selminho para esclarecer esta situação", afirmou Tomás Moreira, sócio da empresa e irmão do presidente da Câmara, referindo-se a 2017, quando foi divulgado que um técnico superior da autarquia concluiu ser municipal uma parcela de 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa.

Luís Miguel Moreira, outro dos sócios e irmão do presidente da autarquia portuense, afirmou ter ficado "incrédulo" com a notícia, sobretudo por surgir "mais de 14 ou 15 anos depois de tantas reuniões e diligências com a Câmara" relativamente à "edificabilidade" do terreno.

Apesar de ter deixado a gerência da empresa em 2007, o sócio garantiu que "a família estava regularmente informada sobre as questões e diálogo com a Câmara relativamente à edificabilidade do terreno".

No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor desde 2006, o terreno foi classificado como sendo não edificável, o que levou a imobiliária a avançar para tribunal contra a Câmara, por se ver assim impedida de ali construir.

"Havia litigância com a Câmara relativamente aos direitos de construção, mas em nenhum momento foi referido qualquer problema com a propriedade. Até que saiu a notícia. Foi assim que soubemos", descreveu Luís Miguel Moreira.

Na sessão de hoje do julgamento, o sócio disse ainda ter tratado da compra da propriedade, em 2001, por "35 mil contos [174,5 mil euros]".

Luís Miguel Moreira afirmou que, antes da escritura, teve acesso à certidão da conservatória e a "documentos sobre a vivência no prédio", nomeadamente "faturas da EDP".

Questionado pelo juiz, Luís Miguel Moreira revelou que aquele dossiê foi "pedido sob aconselhamento do advogado".

"Pediu-me para pedir. Teria alguma razão mas não percebi qual o alcance. Só mais tarde me apercebi da data de escritura de usucapião", feita meses antes, afirmou.

Antes, o advogado da autarquia questionara o sócio sobre se "não tinha estranhado um registo por usucapião, na segunda cidade do país, em 2001".

Luís Miguel Moreira disse que não, acrescentando ter feito "as perguntas que devia fazer" ao "advogado" da empresa, "que tinha sido notário".

"Nunca tive qualquer indício, sinal ou informação de que houvesse problemas com [a propriedade] do terreno", assegurou.

Também Tomás Moreira garantiu que a propriedade do terreno "nunca foi tema".

O juiz quis também saber se "o que aconteceu primeiro" foi a reclamação da empresa no âmbito da revisão do PDM ou o Pedido de Informação Prévia, mas nenhum dos irmãos soube responder.

De acordo com o registo do Cartório de Montalegre, a que a Lusa teve acesso, o casal que vendeu o terreno à Selminho referiu não ter "qualquer título" de propriedade do prédio, tendo iniciado "a sua posse em 1970, ano em que o adquiriram [...] por mera compra verbal a Álvaro Nunes Pereira".

O documento acrescenta que, "desde essa data", o casal tem "usado e fruído do prédio, demarcando-o, construindo o respetivo muro, nele projetando construir uma habitação, pagando todas as contribuições [...] sem qualquer tipo de oposição [...], razão pela qual adquiriram o direito de propriedade por usucapião".

No julgamento em curso, a autarquia pede que seja declarada a nulidade da escritura que, em 2001, transferiu por usucapião os 1.661 metros quadrados municipais para a posse de um casal, bem como a nulidade das "transmissões subsequentes", ou seja, o contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.

Em 2014, já no mandato do presidente Rui Moreira, a Câmara fez um acordo com a Selminho, no qual assume o compromisso de devolver a capacidade construtiva ao terreno no âmbito da atual revisão do PDM, ou será criado um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.

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