Socialistas divididos sobre mandato de Cavaco Silva

por Agência LUSA

Os dirigentes socialistas fazem interpretações divergentes sobre os primeiros 100 dias de mandato presidencial de Cavaco Silva, que se completam sexta-feira, com os "liberais" a revelaram-se mais moderados na análise do que a ala esquerda do PS.

Se a corrente de centro-esquerda do PS (mais próxima do líder e primeiro-ministro, José Sócrates) considera que Cavaco Silva cumpriu os primeiros 100 dias de mandato com equilíbrio ao nível da interpretação dos seus poderes presidenciais, o sector mais à esquerda sustenta que o veto político à Lei da Paridade revela que o chefe de Estado é "conservador" e de "direita".

Além dos elogios à prioridade dada pelo Presidente ao tema da inclusão, esquerda e direita do PS apenas coincidem no ponto de que 100 dias de mandato é ainda um período muito curto para se fazer uma avaliação de Cavaco Silva no Palácio de Belém.

Em declarações à agência Lusa, o deputado socialista e ex- candidato presidencial Manuel Alegre considerou que 100 dias de mandato "ainda é muito pouco tempo para fazer uma avaliação".

"No entanto, é curioso que Cavaco Silva tenha escolhido tratar os temas da inclusão social e do combate à desertificação do território nacional, porque foram temas que lancei durante a campanha eleitoral" nas últimas presidenciais, sustentou.

"Não ouvi Cavaco Silva falar nos temas da inclusão social e do combate à desertificação na última campanha eleitoral. Que ele agora os inclua na sua agenda, isso é positivo, mas veremos com que resultados", apontou Manuel Alegre.

No entanto, segundo o vice-presidente da Assembleia da República, ao vetar a Lei da Paridade - aprovada pelo PS e Bloco de Esquerda no Parlamento -, Cavaco Silva revelou "conservadorismo".

"Por trás da fundamentação jurídica, o veto político do Presidente da República revela uma posição conservadora e de direita.

No manifesto da candidatura de Cavaco Silva a Belém, nem uma linha dedicou às questões políticas da paridade e da igualdade de género", referiu Manuel Alegre.

O veto de Cavaco Silva à Lei da Paridade foi desvalorizado pelo deputado socialista José Lamego - posição que também foi seguida por outros dirigentes socialistas próximos de José Sócrates.

Para o ex-secretário de Estado da Cooperação do primeiro Governo de António Guterres, os primeiros 100 dias de mandato de Cavaco Silva "correspondem às expectativas de um exercício de poderes ponderado".

"Verifica-se uma interpretação equilibrada dos poderes presidenciais por parte de Cavaco Silva. O veto político à Lei da Paridade constituiu um exercício legítimo de um poder, que, no entanto, deverá ser usado pelo chefe de Estado com grande parcimónia", declarou.

José Lamego disse mesmo preferir que Cavaco Silva "tenha usado o veto político numa questão menos controversa e não relativamente a questões substantivas para a vida do país e que aparecerão a curto prazo" - uma alusão à reforma da administração pública.

Posição diametralmente oposta à de José Lamego sobre a fase inicial do mandato do chefe de Estado manifestou o secretário-geral da JS, Pedro Nuno Santos, para quem o veto político à Lei da Paridade "demonstrou que é conservador e de direita".

"O Presidente da República tem de perceber que há uma maioria absoluta no Parlamento e que tem de a respeitar. Tem legitimidade para usar o veto político, mas deveria ter percebido que a paridade é uma bandeira política do PS há muitos anos", argumentou.

Segundo o secretário-geral da JS, "a dicotomia entre esquerda e direita vê-se sobretudo nas questões da modernidade [ao nível dos costumes] e Cavaco Silva demonstrou que é de direita".

"Por essa razão, não me vejo nunca a apoiar uma recandidatura de Cavaco Silva. A ideia de que o Presidente da República é para exercer o cargo durante dez anos é para acabar", acrescentou, num recado indirecto para os sectores do PS mais conformados com a presença de Cavaco Silva em Belém.

Medeiros Ferreira, ex-dirigente socialista e ex-membro da Comissão Política da última candidatura presidencial de Mário Soares, considerou positivo o discurso de Cavaco Silva sobre inclusão social na sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República.

No entanto, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que o veto político na Lei da Paridade se tratou de "uma cedência demasiado óbvia à sua base partidária de apoio" - PSD e CDS-PP.

"Julgo mesmo que se tratou do veto político mais rápido na história dos mandatos presidenciais, não havendo para o efeito qualquer razão de fundo", observou Medeiros Ferreira.

Para o ex-deputado socialista, os primeiros 100 dias de Cavaco Silva no Palácio de Belém "são 100 dias de expectativa presidencial".

"Nesta característica, incluo também as relações do Presidente da República com o actual Governo. Nota-se um aumento das previsões catastróficas por parte de analistas políticos e comentadores desde que Cavaco Silva foi eleito, o que é uma forma de ir pressionando o chefe de Estado", sustentou.

De qualquer forma, Medeiros Ferreira disse que, "fora a precipitação do veto à Lei da Paridade, a fase inicial do mandato de Cavaco Silva corresponde à toada com que surgiu na campanha eleitoral": "Dá a sensação que ainda está a exercitar-se para o cargo".

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