Cavaco poupa Marcelo e aponta "deslealdade" a Sócrates

por RTP
Hugo Correia, Reuters

O antigo Presidente Cavaco Silva revelou esta noite na entrevista à RTP que, não acompanhando o andamento da Operação Marquês, que envolve José Sócrates, as acusações contra o antigo primeiro-ministro acabaram por apanhá-lo “completamente de surpresa”.

Entrevistado menos de uma semana após ter apresentado um livro sobre os dez anos que esteve em Belém, Cavaco Silva reiterou a ideia de que devia aos portugueses a escrita dessa obra apresentada a 16 de Fevereiro, “Quintas-feiras e outros dias”.

Sobre a extensão do livro, cerca de 600 páginas, disse apenas que “a primeira parte estava totalmente escrita enquanto ainda exercia as funções de Presidente da República”.

Questionado sobre o eventual problema ético de estar a revelar conversas privadas com outros protagonistas da política portuguesa, o ex-Presidente da República sublinhou: “as conversas que tive foram privadas mas não secretas”. E também: “é através destas conversas que o Presidente da República exerce a sua magistratura de influência”.

Prestar contas ou ajustar contas? “Eu não preciso de ajustar contas com ninguém”, respondeu Cavaco Silva, acrescentando que deve, isso sim, “apresentar contas aos portugueses de forma rigorosa nos factos”.
Relação com o primeiro-ministro José Sócrates
Cavaco Silva volta a afirmar que os primeiros encontros com José Sócrates decorreram de forma cordial: “Eu tive 188 reuniões com José Sócrates e a maior parte foram reuniões de trabalho cordatas”.

“Recordo-me de duas reuniões difíceis, a do PEC IV e a que decorreu do acto eleitoral de 2009”, explicou Cavaco Silva. “Não fui informado sobre o PEC IV e isso foi uma deslealdade institucional”.

Questionado sobre a sua reacção quando tomou conhecimento do posterior processo de acusação contra José Sócrates, Cavaco Silva respondeu que não tem acompanhado a "Operação Marquês", mas que ficou “totalmente surpreendido”.
Críticas a Marcelo
Cavaco explicou ter escrito o livro muito antes de saber quem era o seu sucessor em Belém, pelo que rejeita as críticas que lhe têm sido apontadas por ter escrito que entende o cargo de Presidente da República como um lugar de discrição, longe das tiradas para os jornais e das luzes dos holofotes.

“Eu tenho grande respeito quer pelos meus antecessores quer pelo Presidente da República actual”, afirmou, negando ter feito qualquer crítica aos carácter mais popular de Marcelo Rebelo de Sousa.
Responsabilidade do resgate
À questão sobre quem teve a responsabilidade da crise que levou à intervenção da troika, Cavaco Silva não aponta directamente o dedo ao contexto internacional ou à acção do Governo Sócrates, como lhe foi perguntado, preferindo sublinhar que “o resgate foi o resultado de políticas desenvolvidas ao longo do tempo, em particular 2008”.

“Eu fui pressionando para que o Governo alterasse o seu rumo, nem sempre com sucesso”, acrescentou o ex-chefe de Estado.

De resto, acrescentaria ainda que não era sua intenção dissolver o Parlamento e que não teria posto termo ao segundo Executivo de José Sócrates caso houvesse uma alternativa.

"Não dissolveria o Parlamento se não fosse todos os partidos terem dito que não havia condições para formar outro Governo", sublinhou.
Cavaco sob vigilância ou uma historieta de verão
O Público noticiou em 2009 que o Governo se dizia sob suspeita de estar a ser vigiado. Cavaco refere-se a estes factos como uma "historieta de verão" que deu muito que falar.

Cavaco Silva refere-se à história de 2009 e acusando "alguns membros do PS de se coligarem com alguns membros da comunicação social e tentarem criar uma intriga para denegrir a minha imagem".
“Quintas-feiras e outros dias”

Cavaco Silva deixou a Presidência da República a 9 de março de 2016, ao fim de dois mandatos na chefia do Estado. Pouco menos de um ano depois, a 16 de Fevereiro, lançou o primeiro livro sobre os dez anos que esteve em Belém, para "completar a prestação de contas aos portugueses".

No livro “Quintas-feiras e outros dias”, o antigo Presidente da República revela no núcleo central da obra a coabitação, entre 2006 e 2011, com o então primeiro-ministro socialista José Sócrates.

Cavaco Silva classifica este livro como "uma prestação de contas", sem o qual "ficaria incompleto" o conhecimento dos portugueses sobre o tempo "conturbado e complexo" que viveu em Belém.

“Este livro, ‘Quinta-feira e outros dias’, é em primeiro lugar uma prestação de contas aos portugueses pela forma como exerci as funções de Presidente da República”, explicou na apresentação da obra, na última quinta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, local usado também para anunciar as duas candidaturas presidenciais e onde festejou as vitórias.

Considero que a revelação dessas quintas-feiras é fundamental para compreender o tempo complexo e algo conturbado da política nacional nos dez anos em que exerci as funções de Presidente da República”, acrescentou Cavaco Silva na altura, defendendo ser essa “a via mais eficaz” para um Presidente “influenciar o processo político de decisão”.

“Se eu omitisse esta parte estava a deixar de forma muito incompleta a prestação de contas aos portugueses”, sustentou.

No fim, a análise na RTP3
Pedro Adão e Silva e José Manuel Fernandes juntaram-se para comentar as declarações de Cavaco Silva. Veja as opiniões dos dois comentadores RTP, aqui:

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