Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ apresenta queixa contra o Público

por RTP
Inácio Rosa, Lusa

Por alegada violação do seu direito de resposta ao embaixador israelita, a Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ apresentou uma queixa contra o Público na Entidade Reguladora para a Comunicação Social. A queixa acusa aquele diário de ter querido ditar-lhe os termos do seu direito de resposta.

A polémica foi desencadeada pela publicação naquele diário de uma violenta crítica aos organizadores da marcha, com a assinatura do embaixador israelita Dor Shapira. 

Nesse texto, Shapira lamentava o facto de que "a nossa participação em representação do Estado de Israel foi negada pela comissão organizadora da MOL". Depois de historiar brevemente as origens do mês do Orgulho LGBTI+, o embaixador enaltecia o papel do Estado de Israel na "luta pelo reconhecimento institucional dos direitos da comunidade LGBTI+".

Passava depois a interpretar a recusa de uma participação da Embaixada naquela iniciativa, dizendo: "Não sei se esta decisão se baseou em ignorância, estupidez ou hipocrisia. O que fica claro é que se trata de uma péssima decisão porque não representa a Comunidade LGBTI+ mas tão somente os dirigentes de uma comissão organizadora capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas".

Dizia também que "em muitos dos países vizinhos de Israel - e especialmente na Faixa de Gaza - não há Comunidade LGBTI+ por uma razão muito simples: se alguém o assumir será sumariamente punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução". E rematava: "Israel acolhe estas pessoas".

Invocando o seu direito de resposta, a Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa enviou ao Público um texto que afirmava nomeadamente: "Seria hipócrita permitir que Estados com políticas segregacionistas e de apartheid, de colonização e campanhas genocidas, se juntassem a uma marcha com estes valores [direitos humanos e igualdade]". E sublinhava que os organizadores desta iniciativa "não esquecem todas as restantes opressões para as cobrirem com uma bandeira arco-íris".

Mais adiante recordava que em 9 de Julho de 2021 "o relator da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO) pediu que os colonatos israelitas fossem classificados como 'crimes de guerra'". E recordava também o muito recente assassínio da jornalista Shireen Abu Akleh pelo exército de Israel, como escárnio a qualquer invocação de "direitos humanos" pelo embaixador de Israel em Portugal.

Quanto à situação nos territórios ocupados, afirmava que "as ações militares de um dos exércitos mais poderosos do mundo contra populações civis desarmadas e as suas políticas de apartheid constitucionalmente consagradas não escolhem a orientação sexual ou identidade de género das suas vítimas". 

E classificava como “'bullying' puro e simples" o facto de o embaixador Dor Shapira ostentar a pretensão de "determinar quem representa as comunidades lgbti+ de um outro país soberano". 

Enfim, sobre a alegação de que Israel acolhe palestinianos e palestinianas refugiadas por motivo da sua orientação sexual, lembra que "o exército de Israel é conhecido por ter uma unidade de espionagem eletrónica que recolhe informação pessoal sobre pessoas nos TPO [territórios palestinianos ocupados], entre outras sobre a sua orientação sexual, de forma a chantageá-las para espiarem em seu favor".

Segundo a Comissão Organizadora, o jornal "Público" fez-lhe saber que só publicaria o direito de resposta se dele fosse retirada a referência a campanhas genocidas atribuídas às forças de ocupação israelitas. A Comissão Organizadora recusou-se a alterar o teor da resposta no sentido exigido pelo Público, passou a divulgá-la pelos seus meios e encaminhou para a ERC uma queixa por lhe ter sido negado o direito de resposta.

Explicações do director do Público

Contactado para comentar estas alegações, o director do Público, Manuel Carvalho, lembra que já por várias vezes ao longo da sua existência aquele diário "denunciou e condenou os abusos por parte do Estado de Israel", nomeadamente aqueles que o texto de resposta da Comissão Organizadora caracteriza como “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” ou de violação de “inúmeras resoluções” da ONU sobre o conflito na Palestina.

Apesar da controvérsia que, observa o director do Público, rodeia estas acusações dirigidas a Israel, elas encontram-se sustentadas por "resoluções da ONU, fossem da sua Assembleia Geral, fossem pelo Conselho de Segurança e por uma ampla margem da opinião pública". Já a acusação de que Israel pratica “campanhas genocidas” ou que desenvolve “um dos mais longos genocídios da história da humanidade”, ainda segundo o director do Público, carece de idêntica sustentação, sendo que "os juristas e académicos dividem-se sobre o seu uso no conflito israelo-palestiniano".

Reconhecendo embora que a resolução 37/123 de 16 de Dezembro de 1982 condenara Israel por “genocídio”, na sequência dos massacres de Sabra e Shatila, o director do Público acrescenta que essa referência única "não basta para fundamentar a existência de uma 'campanha'”, pelo que a acusação de "campanhas genocidas" deve ser considerada "abusiva".

A concluir, salienta Manuel Carvalho que, "se a intenção do Público fosse obstar à veiculação das acusações graves que no seu legítimo exercício de Direito de Resposta a Comissão faz ao embaixador de Israel, teria recusado o texto na íntegra". E acrescenta que apenas foi pedido à Comissão Organizadora que retirasse o que podia ser incluído no conceito de “expressões desproporcionalmente desprimorosas”, que a Lei de Imprensa proíbe.
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