Debate quinzenal sem propostas assinala tragédia com confronto político

por Christopher Marques - RTP
Manuel de Almeida - Lusa

Em dia de luto nacional, o Parlamento reuniu-se para o tradicional debate quinzenal. Se a tragédia dos últimos dias fica para a História, o debate nada teve de memorável. António Costa pediu desculpa a custo. A esquerda admitiu os erros do Estado mas focou-se nas críticas à oposição. A direita exigiu responsabilidades, convidou António Costa a demitir-se e a submeter-se a uma moção de confiança no Parlamento.

Ao segundo dia de luto nacional, o Parlamento reuniu-se para o tradicional debate quinzenal. Os deputados reuniram-se depois de o CDS-PP e o PSD não terem viabilizado o adiamento dos trabalhos parlamentares na sequência da última vaga de incêndios que provocou pelo menos 42 vítimas mortais.

A sessão parlamentar teve início com a aprovação do voto de pesar pelo Parlamento. O documento expressa pesar e solidariedade pelas vítimas e por todos os que apoiaram o combate às chamas e defende que as reparações “têm de avançar”. “Não podemos ficar cruzados”, dizem os deputados através do voto agora aprovado.

Lido o documento e feita uma curta declaração por cada um dos partidos, o documento foi aprovado e fez-se silêncio no hemiciclo. Cumpriu-se um minuto de silêncio em memória das vítimas. Avançou-se então para o debate político.

Sem surpresas, a tragédia dominou os trabalhos na Assembleia. Quando a sessão começou, já o Governo tinha divulgado publicamente que Constança Urbano de Sousa estava de saída do ministério da Administração Interna.

Constança Urbano de Sousa não marcou presença no hemiciclo, tendo o Ministério sido representado pela secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto. A saída da governante não impediu que a oposição atacasse ferozmente a atuação do executivo durante os incêndios.
As notícias de Costa
O primeiro-ministro adiantou pouco daquelas que deverão ser as ações do Executivo e que deverão ser especificadas no próximo fim de semana, no fim do conselho de ministros extraordinário dedicado à floresta.

No Parlamento, o primeiro-ministro insistiu que “nada pode ficar como antes” e que é necessário transformar as conclusões do relatório da Comissão Técnica Independente criada na sequência da tragédia de Pedrógão Grande em “ações”. O chefe do Governo esclareceu ainda as polémicas declarações que fez na madrugada de segunda-feira, quando garantiu que tragédias como Pedrógão se voltariam a repetir.

“Não é uma fatalidade que eu aceito. É ter a consciência que todos temos – em primeiro lugar eu próprio – de tudo fazer para que não volte a acontecer. A primeira medida de prevenção é termos todos a consciência dos riscos”, afirmou em resposta à líder do CDS-PP.

Antes da resposta a Cristas, António Costa tinha já apresentado um pedido de desculpas mas só depois de ter sido desafiado pelo PSD. “Senhor primeiro-ministro, já está em condições de pedir desculpa a todo o país?”, incitou Hugo Soares.

“Não vou fazer jogos de palavras. Se quer ouvir-me pedir desculpas, eu peço desculpas”, respondeu o primeiro-ministro. António Costa ressalvou no entanto que prefere usar a palavra “responsabilidade” na vida política, reservando a palavra “desculpa” para a vida privada.

O primeiro-ministro garantiu ainda que viverá com “o peso na consciência” por essa tragédia da mesma forma que diz ainda sentir o peso devido a mortes de bombeiros e agentes da polícia que ocorreram quando foi ministro da Justiça e da Administração Interna.

Em termos práticos, poucas notícias. O primeiro-ministro prometeu que o Orçamento do Estado do próximo ano e que a consolidação orçamental não serão entravse às medidas de proteção da floresta e às alterações na proteção civil. António Costa anunciou ainda que serão pagas as “indemnizações devidas por danos morais e patrimoniais” às vítimas de Pedrógão Grande, dando assim resposta a um dos avisos feitos pelo Presidente da República na terça-feira.

O primeiro-ministro informou ainda que propôs as vítimas de Pedrógão Grande a criação de um mecanismo que torne mais célere a atribuição de indemnizações relativas às vítimas mortais da tragédia de junho de 2017.

António Costa confirmou ainda que insistiu para que a ministra da Administração Interna permanecesse em funções para não perturbar a época de incêndios e preparar a reforma do sistema, corroborando o que a carta de demissão de Constança Urbano de Sousa já indiciava.
Ataque à direita
Em dia de luto nacional, a oposição não poupou no ataque. O CDS-PP já tinha anunciado que apresentou uma moção de censura ao Governo que, sabe-se agora, será discutida e votada na próxima terça-feira.

A moção de censura – com chumbo anunciado por parte da maioria de esquerda – serviu de arma de defesa a António Costa. Quando desafiado a apresentar uma moção de confiança pelo PSD, o primeiro-ministro respondeu que a moção de censura ditaria o futuro do Governo. “Se a moção de censura for aprovada, o Governo cairá”, elencou.

Apesar da insistência do líder parlamentar do PSD, o secretário-geral do PS recusou sempre apresentar uma moção de confiança. Hugo Soares lamentou ainda que Costa só tivesse apresentado um pedido de desculpas esta quarta-feira – perante a insistência do próprio Hugo Soares – e criticou a atuação do Governo durante os incêndios.

“Foi o vosso desleixo, foi a vossa incompetência”, atacou o deputado social-democrata. Na derradeira intervenção, Hugo Soares foi ainda mais longe, seguindo a linha discursiva adotada já durante a manhã por Pedro Passos Coelho. “Fazia um favor se apresentasse a demissão ao Presidente da República”, lançou Hugo Soares.

Do lado do CDS-PP, António Costa ouviu críticas à “incompetência e descoordenação de quem foi nomeado pelo Governo”. Assunção Cristas acusou o Governo de “falta de sentido de Estado” por ter mantido a ministra da Administração Interna em funções e acusou o governante de privilegiar os “amigos”.

Criticou ainda as já polémicas declarações de António Costa, Constança Urbano de Sousa e de Jorge Gomes na sequência desta vaga de incêndios. “O que disseram aos portugueses foi: salve-se quem puder’”, afirmou Cristas.
Avisos à esquerda

Como seria de esperar, a esquerda do Parlamento foi muito mais contida nas críticas à atuação do Governo. Catarina Martins não deixou de assumir que “o Estado falhou”, esclarecendo que a culpa é “de muitos governos” e de “muitas maiorias parlamentares”, incluindo a atual.

O Bloco de Esquerda anotou que “se tudo falha é porque tudo deve ser diferente”, tendo pedido alterações profundas na floresta e na proteção civil. Catarina Martins pede uma nova estrutura que reúna “ordenamento do território, política florestar e combate a incêndios”.

“O Governo tem na mão a escolha. Hoje, como nunca, o país está disponível para estas mudanças. Amanha, o país vai penalizar os que nada fizeram ou agravaram os problemas”, afirmou a líder do BE.

As críticas mais cerradas da bancada bloquista foram para a direita. Catarina Martins considerou que a moção de censura apresentada pelo CDS-PP é um “truque grotesco” e criticou “a ex-ministra dos eucaliptos”, Assunção Cristas.

Por sua vez, Jerónimo de Sousa defendeu que a tragédia é a “pesada fatura de décadas de política de direita”. O PCP pede desde já “determinação” no apoio às vítimas e no pagamento das indemnizações e um orçamento específico para a floresta e a prevenção. Jerónimo de Sousa convidou mesmo António Costa a dedicar um valor semelhante ao aplicado na resolução do Banif na defesa da floresta.

O PEV pediu também que a floresta seja uma prioridade e que a consolidação orçamental não impeça esse investimento. O primeiro-ministro garantiu que a consolidação orçamental não impedirá a adoção de medidas para a floresta, citando o próprio Mário Centeno.

O debate terminou com a intervenção do partido Pessoas – Animais – Natureza. André Silva lamentou o desrespeito das leis de combate aos incêndios, nomeadamente no que diz respeito à limpeza das matas e à proteção de habitações. Na resposta, António Costa disse ver nisso uma consequência de anos menos trágicos no que diz respeito aos incêndios e abriu a porta para aquelas que poderão ser algumas das medidas a anunciar.

O primeiro-ministro defendeu que é preciso distinguir entre “o direito de propriedade e o direito de plantar”. Para o primeiro-ministro, haverá espécies que não poderão ser plantadas em determinados locais e locais onde nada poderá ser plantado. Costa exemplificou com o que acontece com a construção: há o direito de propriedade e há o direito de construir, havendo sítios onde a construção não é permitida.
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