Formação de quadros partidários é receita para travar "declínio da democracia"

por Lusa

Para travar o "declínio da democracia", Portugal terá de apostar na formação de quadros nos partidos políticos tradicionais e reformar o sistema eleitoral, para que os cidadãos possam escolher os seus representantes, defende o ex-deputado Paulo Trigo Pereira.

No livro "A Democracia em Portugal: Como evitar o seu declínio", que tem a chancela da Almedina e será lançado na quinta-feira, em Lisboa, o ex-deputado independente da bancada do PS traça um quadro negativo da cultura política dominante e aponta caminhos para inverter a situação, como a atribuição de mais dinheiro às fundações partidárias, de modo a estudar os problemas e a criar massa crítica, e a reforma do sistema eleitoral, para que os eleitores possam escolher os seus candidatos ao parlamento.

"Se Portugal continuar a fazer política da forma do costume (`political business as usual`), iremos paulatinamente caminhar para um declínio da democracia, pois os desafios que o país enfrenta são muito grandes e a capacidade de lhes dar resposta, com a atual arquitetura institucional e a cultura política do imediatismo e do tacticismo político, é limitada", argumenta.

Para o economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), "o problema dos partidos tradicionais é o seu fechamento interno, a fraca qualificação dos seus quadros, processos ineficientes de escolhas internas para cargos, nem sempre cumprindo critérios de democracia interna, ausência ou ineficácia de grupos de estudo internos aos partidos, quase ausência de debate interno ou de articulação com `think tanks` associados aos partidos".

A formação de quadros está "completamente ausente" dos estatutos do PS e nos do PSD apenas se refere que 5% das receitas lhe devem ser afetas, mas quando se olha as contas do partido torna-se "questionável que tal objetivo seja cumprido", indica no livro de 240 páginas.

A agravar a situação, os partidos destinam a maior fatias das verbas que recebem do Estado através da subvenção pública anual com gastos internos e com o financiamento das campanhas eleitorais, não deixando quase nada para as suas fundações ou gabinetes de estudos.

Como exemplo, Paulo Trigo Pereira afirma que, em 2018, o PS gastou 68,5% da sua subvenção pública anual com o financiamento das campanhas eleitorais.

"Como pode a ação política ser conduzida se apenas se tem uma vaga ideia do que se quer, mas não se domina minimamente a problemática em questão, seja ela a descentralização, a transição energética ou a reforma da justiça?", questiona.

Para este economista, que se "divorciou" do PS a meio do último mandato passando a deputado não inscrito, "a fraqueza da produção regular e continuada de estudos e documentos que fundamentem as posições programáticas dos partidos, e o carácter incipiente da formação de quadros nestes grandes partidos (PS e PSD) só podem ser motivos de reflexão, preocupação e da procura de uma solução geral para um problema que, obviamente, se alarga aos restantes partidos".

"Serão os fundos públicos, que ainda são significativos, bem gastos? Ou poderiam e deveriam ser mais bem utilizados para melhorar a qualidade da democracia?", questiona, para concluir de seguida: "Com os mesmos recursos públicos é possível melhorar significativamente o benefício que se retira das subvenções públicas e melhorar a qualidade da democracia. Mas para isso é preciso implementar uma inovação institucional, é preciso um `game changer`".

A mudança passa por atribuir mais receitas aos estudos sobre políticas públicas e à formação de quadros, "não é preciso inventar nenhuma roda". É preciso fazer o que fez a Alemanha no após a Segunda Guerra Mundial, que foi afetar mais recursos às fundações partidárias e dar-lhes autonomia, "o que continua bem vivo nos dias de hoje".

Como? Através de "duas formas", "uma seria distinguir a subvenção geral da subvenção para outras atividades", mas assim geraria "provavelmente o desvio de fundos de projetos para gastos administrativos". E a outra, "mais profunda e eficaz" seria destiná-los diretamente à instituição, que estando ligada ao partido político, teria, contudo, "uma independência funcional, administrativa e financeira". "Tudo isto poderia ser feito sem aumentar o financiamento público global", sublinha.

Outra das reformas preconizadas é a alteração do sistema eleitoral, através da alteração dos círculos e dos boletins de voto, que passariam a dar ao eleitor a possibilidade de escolha dos candidatos, além do votarem no partido da sua preferência, de modo a tornar o sistema democrático mais atrativo.

"O futuro da democracia dependerá muito do que for o futuro dos partidos políticos, sobretudo os de grande e média dimensão. Aquilo que pretendemos mostrar é que os partidos, em termos de estruturas nacionais de apoio à tomada de decisão política, são muito frágeis. Por isso, recorrem frequentemente a independentes para lhes darem o influxo de ideias e propostas que os seus grupos de estudo, institutos ou fundações associadas não dão, mas deveriam dar", conclui.

O livro vai ser apresentado pelo cientista Alexandre Quintanilha, que foi colega de bancada de Paulo Trigo Pereira na anterior legislatura e prefacia a obra, e pelo constitucionalista Vital Moreira num debate moderado pela jornalista Maria Lopes no auditório Caixa Geral de Depósitos do ISEG, em Lisboa.


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