Maioria socialista à defesa trava moção de censura

por RTP
"O país cansou-se da arrogância", afirmou o líder do CDS-PP, Paulo Portas, na apresentação da moção de censura André Kosters, Lusa

A maioria socialista rejeitou esta quarta-feira, na Assembleia da República, a moção de censura ao Governo apresentada pelo CDS-PP. Sem surpresa, a iniciativa dos populares contou com a aprovação do PSD e colheu a abstenção de PCP, PEV e Bloco de Esquerda, mas a sessão serviu para uma vaga de críticas às falhas de um Executivo que a Oposição diz estar "esgotado".

Os "erros de política" cometidos pelo Governo socialista "não são de comunicação, são de fundo". Foi com este preâmbulo que o presidente do CDS-PP abriu as hostilidades na apresentação da moção de censura ao Executivo de José Sócrates. No hemiciclo de São Bento, a iniciativa prometida pelos democratas-cristãos na noite das eleições para o Parlamento Europeu foi justificada com a necessidade de "dar voz" àqueles que já censuraram a maioria socialista "no país e nas urnas".

José Sócrates, lançou Paulo Portas, foi o rosto da derrota nas eleições europeias por causa da "arrogância", uma característica que o líder do CDS-PP diz estar patente, por exemplo, na "atitude de quem se permite, em relação aos sectores produtivos, desprezar compromissos". Para Portas, o que o eleitorado castigou nas urnas foi também "a arrogância de quem se acha mais preocupado com a sua própria autoridade do que com a autoridade daqueles que lidam com a sociedade todos os dias".

"O país cansou-se dessa arrogância que não é uma questão de forma, é de essência. O país cansou-se do excesso de propaganda e do défice de autenticidade", reforçou o líder dos populares, que haveria de voltar à carga com o diagnóstico de um país cansado "deste tipo de política".

A nota negativa que o CDS-PP atribui ao Governo é transversal aos sectores da agricultura, segurança, justiça, educação e saúde. Em todos os campos, disparou Paulo Portas, o Executivo de José Sócrates mostra-se "desgastado".

Portas trataria ainda de desvalorizar a revisão de postura ensaiada pelo primeiro-ministro na esteira das eleições europeias, acusando Sócrates de "estar a inventar à pressa uma personalidade": "Apresentou-se como animal feroz, agora está à pressa a inventar a personalidade de português suave, modesto e humilde. Não cola consigo. Um português suave, modesto e humilde chamado José Sócrates pode ser um alívio, mas não é solução".

O que "interessa ao país", defendeu Paulo Portas, "é reconhecer erros, não de aparência ou de explicação, mas de substância, porque erros todos podemos cometer, e o senhor primeiro-ministro saber assumi-lo".

José Sócrates devolveria o repto à bancada do CDS-PP. Depois de admitir ter incorrido em erros, o primeiro-ministro argumentou que as lacunas do seu Governo foram diferentes daquelas que o Executivo de coligação PSD/CDS-PP protagonizou, citando um "despachozinho" com a assinatura de Paulo Portas a suspender apoios para equipamentos sociais.

No auge do debate, caberia ao líder parlamentar do CDS-PP, Diogo Feio, destacar que Sócrates "está igual" ao que era antes das eleições europeias, ou seja, "continua a não responder" às perguntas que lhe são colocadas pela Oposição.

PSD contra "prolongamento imerecido de vitalidade do Governo"

Ao lado dos democratas-cristãos na votação da moção de censura, o maior partido da Oposição fez assentar a sua posição na necessidade de iludir "a equívoca leitura de um prolongamento imerecido de vitalidade deste Governo". O PSD, explicou o vice-presidente do partido, José Pedro Aguiar Branco, quis ser "muito claro na censura" ao elenco governativo de José Sócrates.

"O Governo não foi digno da maioria absoluta que os portugueses lhe confiaram", defendeu o dirigente social-democrata, para acrescentar que "a coerência, a autenticidade, a honra da palavra dada, o respeito e a verdade não se inscrevem no ADN" dos socialistas.

À luz do "saldo de uma governação falhada, de um Governo empedernido e de um primeiro-ministro esgotado", Aguiar Branco afirmou acreditar que o Executivo acabará por ser "definitivamente censurado nas próximas eleições legislativas".

O vice-presidente do PSD retomaria ainda o dossier das grandes obras públicas para dizer que a "recente posição do Governo quanto ao TGV não passa de uma encenação e indicia que haverá grilhetas financeiras que aprisionam a decisão futura do próximo Governo". E acentuou o ataque com a descrição de um chefe do Governo "com duas caras", que "finge que não é autoritário".

Críticas que José Sócrates se apressou a rebater, contrapondo que "o futuro Governo estará completamente livre" para "todas as decisões relevantes". Quanto à alta velocidade ferroviária, insistiu o primeiro-ministro, o próximo elenco governativo "estará completamente livre para fazer a adjudicação, assinar o contrato e assinar as bases de concessão".

"É preciso descaramento para falar em duas caras no momento em que fala no TGV", acrescentou Sócrates, lembrando que Aguiar Branco "era ministro" quando o Governo de pendor social-democrata lançou as bases para "cinco linhas de TGV".

Pela voz do deputado Miguel Frasquilho, a bancada do PSD chamaria ainda a atenção para a situação "muito estranha" do país no âmbito da União Europeia, com "estímulos orçamentais de ajuda à economia" abaixo da média dos 27.

Governo vai "bater com a cabeça"

À esquerda da bancada socialista, a opção pela abstenção esteve longe de corresponder a um aligeirar da barragem de críticas à governação. A começar pelos comunistas, que confrontaram o primeiro-ministro com o escrutínio das eleições de 7 de Junho para o Parlamento Europeu - uma prova de que "o povo português quis dizer basta, que este rumo da vida nacional não pode continuar".

Na mira do secretário-geral do PCP esteve sempre "o executante da política de direita, neste caso, o PS". Para Jerónimo de Sousa, "nenhuma maioria absoluta se pode sentir segura e estável quando desestabiliza a vida às pessoas".

"Não acha que, se mantiver o rumo, vai bater com a cabeça, salvo seja, sem ofensa, estou a falar do Governo, na medida em que a mesma política vai conduzir ao mesmo resultado, isto é, ao fracasso desta política de direita?", questionou o dirigente comunista, de olhos apontados a Sócrates.

Na réplica, o primeiro-ministro reconheceu que a derrota dos socialistas a 7 de Junho "espelha um certo desagrado e frustração dos portugueses pelo facto de a crise económica e financeira se ter somado a anos anteriores em que foi preciso fazer reformas e tarefas patrióticas que exigiram sacrifícios aos portugueses". Com as "feridas entre a base de apoio" dos socialistas em mente, Sócrates acrescentou que "o PS e o Governo devem fazer mais e melhor" no sentido de "uma governação com rigor, um Estado com contas em ordem".

Dos parceiros dos comunistas na CDU saiu o retrato de um primeiro-ministro que "não sabe ler os sinais". A leitura pertenceu à deputada Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), para quem José Sócrates "falou hoje mais em humildade do que em todo o seu mandato".

De entre "os sinais" de desagrado para com o rumo de Sócrates, o PEV destacou os "mais de 200 mil trabalhadores e 120 mil professores na rua a contestar as políticas do Governo".

"É tempo de olhar para as políticas sociais"

Entre os deputados do Bloco de Esquerda, o apontar de "políticas erradas" foi o ponto de partida para todos os ataques à maioria socialista.

"Percebemos que, após os resultados de 7 de Junho, o primeiro-ministro vem aqui agraciar todo o seu Governo, todos os seus ministros, incluindo a ministra da Educação, e não há por isso nenhuma coisa a alterar, nenhum erro assumido, nenhuma auto-crítica a fazer, nada", afirmou o líder parlamentar do Bloco de Esquerda. Aludindo à substituição de Vitalino Canas, escolhido para o cargo de provedor do trabalho temporário, por João Tiago Silveira, Luís Fazenda assinalou que, "afinal de contas, a única alteração foi mesmo a substituição do porta-voz do PS, que se revelou verdadeiramente uma pessoa de trabalho temporário".

Por sua vez, a deputada Ana Drago lançaria para o debate a afirmação de que "o problema do PS não é de textura, antes de "políticas erradas e em particular nos serviços públicos, que os socialistas "fragilizaram em vez de melhorar".

Francisco Louçã acusou a maioria de defender um projecto de lei que abre caminho ao trabalho domiciliário de "crianças de 14 anos". O diploma, denunciou o dirigente do Bloco de Esquerda, "determina que o trabalho domiciliário já não é aos 16, já não. No país de Sócrates, com 14 anos já se pode fazer trabalho domiciliário desde que se tenha a escolaridade obrigatória".

Para Louçã, "é uma vergonha" que o primeiro-ministro diga ser "tempo de olhar para as políticas sociais e de modernização, ou que se tenha "elogiado a si próprio sobre a lei laboral".

"Há uma verdade e há uma mentira e quero dizer que nunca o PS apresentou projecto nenhum que permita isso, nunca, em nenhuma circunstância, e o senhor deputado está propositadamente e de forma demagógica a interpretar mal a iniciativa política do PS", reagiu José Sócrates.

"Usurpação política da vontade popular"

No contra-ataque à moção de censura apresentada pelo CDS-PP, o campo socialista abriu três frentes de combate. As despesas da estratégia parlamentar socialista pós-eleições europeias foram assumidas a três tempos por José Sócrates, pelo líder da bancada, Alberto Martins, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que se levantou para dizer que a iniciativa do partido de Paulo Portas configurou um acto "imaturo" e ilustrou a "eterna adolescência" da direita parlamentar.

De resto, também Alberto Martins imputou ao CDS-PP uma estratégia de "manobrismo infantil", indo ao ponto de acusar a formação de Paulo Portas de "usurpação política da vontade popular". Adiante, porém, o líder parlamentar dos socialistas reconheceria que o partido do Rato terá de "assumir a responsabilidade histórica de ter estado, muitas vezes, na defensiva face ao modelo neoliberal".

O primeiro-ministro sustentou, por seu turno, que a moção de censura teve por base pressupostos "falsos", uma vez que traduziu uma tentativa de, "abusivamente", transportar os resultados das eleições europeias, conquistadas pelo partido de Manuela Ferreira Leite, para o combate das eleições legislativas.

"Querer retirar dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu conclusões sobre a legitimidade do Governo nacional é pura e simplesmente desrespeitar a democracia", afirmou Sócrates.

"Digamo-lo com todas as letras. É um abuso e uma precipitação transformar eleições europeias em eleições legislativas e é um abuso que raia arrogância quando se pretende assumir, em nome do eleitorado, uma legitimidade que o eleitorado manifestamente não conferiu", prosseguiu.

Perante os deputados, o primeiro-ministro afiançou interpretar "os sinais de insatisfação sobretudo como um apelo a fazermos mais e melhor". Contudo, fez questão de deixar uma promessa - em jeito de prólogo da campanha até Outubro - aos partidos da Oposição: "Não subordinarei a nenhum interesse táctico e circunstancial de última hora a minha responsabilidade como primeiro-ministro".

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