Santana Lopes: "Na situação do PSD todos os cuidados são poucos"

por Andreia Martins - RTP
Miguel A. Lopes - Lusa

O candidato derrotado nas diretas do PSD diz que o partido deve serenar após o Congresso e admite que vai ser “muito difícil ganhar eleições" no quadro atual. Em entrevista à RTP, Santana Lopes entende que a estratégia deve passar por explorar as fraquezas de uma “maioria estruturalmente incoerente”.

Numa entrevista de quase 50 minutos conduzida pelo jornalista Vítor Gonçalves, Pedro Santana Lopes falou da nova liderança do PSD, do panorama político em Portugal, dos desafios que o seu PPD/PSD enfrenta, dos seus planos para o futuro ou mesmo da situação no Sporting.

O antigo candidato à liderança do PSD, derrotado por Rui Rio nas eleições diretas de janeiro, explica que entrou no Congresso do último fim de semana ao lado do novo líder para unir o partido e que foi com “sentido de responsabilidade” que aceitou o convite do agora líder social-democrata.

“Entendi que, na situação que o PSD vive atualmente, e que tem vivido, todos os cuidados são poucos”, refere.

Santana Lopes diz mesmo que evitou assumir “o perfil tradicional do opositor”. “Com outros focos de tensão que existiam, acho que as coisas podiam não ter corrido de um modo positivo, principalmente para a imagem externa do partido”, acrescentou.

“Confesso que não foi fácil, ao contrário do que as pessoas possam pensar. Aceitar o convite, prescindir de uma diferenciação”, reconhece.

Pedro Santana Lopes admite que o resultado das eleições não o espantou. “Devo dizer que foi uma escolha que me surpreendeu não pelo doutor Rui Rio, mas principalmente quanto à questão estratégica que ele anunciou no que respeita às relações com outros partidos, nomeadamente ao Partido Socialista. (…) Enganei-me, ponto”.

O candidato derrotado explica que não duvida das capacidades de liderança de Rio, a quem reconhece “atributos de líder” e “um perfil que os portugueses em boa medida apreciam”, mas identifica as reservas em relação à estratégia escolhida.

“Está claro para nós os dois que ambos queremos que o PPD PSD ganhe as próximas eleições. Isso para mim é um ponto básico, não pode ser de outra maneira. Está claro entre os dois que não haverá bloco central. Resta a questão da viabilização eventual, se o PS ganhasse as eleições sem maioria”, à qual Rio Rio se mostrou favorável.

“Os militantes escolheram o líder que anunciou essa estratégia. A mim cumpre-me respeitar. Respeitar não invalida a discordância. Posso continuar a discordar se a questão se vier a por. Espero que não se ponha, que o PSD ganhe as eleições e que nem haja tempo para discutir isso”, afirma.
“PSD precisa de se alimentar bem”
Após medir o pulso do 37.º Congresso do PSD, realizado este fim-de-semana em Lisboa, Pedro Santana Lopes admite que os militantes não saíram nem entusiasmados nem preocupados, mas sim expectantes com o futuro.

Isto porque, adivinha, o “tempo que aí vem vai ser um tempo difícil”. “Será muito difícil para o PSD ganhar eleições neste quadro”, reconhece. No seguimento do repto deixado por Pedro Passos Coelho no último discurso enquanto líder do partido, Pedro Santana Lopes também acredita que será possível “bater” a geringonça.

“Acho que é preciso ser hábil e eficaz. É preciso saber explorar, nalguma medida, as contradições daquela maioria estruturalmente incoerente. (…) Há um trabalho imenso a fazer aí. Nomeadamente colocar os partidos à esquerda do PS perante as responsabilidades e a sua coerência”, refere. Não basta, no entanto, explorar as fraquezas dos outros. É também apresentar “propostas válidas”, acrescenta.

A tarefa do PSD é ainda mais dificultada perante o reboliço no partido, ainda que as listas do Conselho Nacional sejam “sempre um problema, em todos os congressos”.

“Isto foi um tempo duro. Passos Coelho foi líder oito anos e sai quando ainda era querido pela grande maioria dos militantes. Entrou um líder novo, com prós e contras no seu relacionamento com Passos Coelho, digamos assim, e os militantes estão expectantes. Apoiam-no, na maioria, mas há gente irritada”, sublinha.

Na sua visão, o partido deve agora “serenar”. Uma missão para a qual julga ter contribuído com o discurso “marcadamente unificador” no segundo dia do congresso.

Pedro Santana Lopes assume por inteiro a preocupação com o partido que integra há mais de 40 anos. “Sinto que o PPD/PSD precisa de se alimentar bem, fazer uma alimentação equilibrada, regrada. Boas proteínas, boas vitaminas, e dormir bem. Precisa de ter cuidado”, enfatiza, até porque falta pouco mais de um ano para as eleições legislativas.
"Lua-de-mel" entre Costa e Marcelo
Sobre a nova fase na relação entre o PSD e o Governo, Pedro Santana Lopes faz uma leitura positiva. A convivência com Pedro Passos Coelho seria sempre difícil devido à solução governativa que se gerou depois das últimas eleições.

“Aquilo gerou um trauma tão grande, foi uma situação inédita, uma pressão inédita, traumática”, acrescentando que o período de “quase lua-de-mel política” entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa foi difícil de gerir no partido.

“Isto para o PSD foi tudo muito duro. O próprio Partido Social Democrata tinha de ter um tempo de ressaca política de tudo o que foram estes dois anos. Agora arrumou a casa”, considera.
Acordo entre Rio e Costa seria "proeza"
Agora, é entre “Dupond e Dupont”, a expressão a que Santana Lopes decorreu no pico da campanha para a liderança do PSD para definir António Costa e Rui Rio. Apesar de uma eventual boa relação entre os dois líderes políticos, o candidato derrotado diz-se “cético quanto à possibilidade de fazer reformas no último ano da legislatura”, num ambiente ”impregnado de campanha”.

Diz mesmo que seria “uma proeza” que o diálogo entre os dois líderes desse frutos nesta fase. Ressalva, no entanto, o caráter de “pedagogia política” em tentar juntar esforços entre o chefe de Governo e o líder da oposição para conseguir reformas. “Não gosto da maneira de fazer oposição em que se está sempre contra tudo, acho que não tem pés nem cabeça”, argumenta.

Na visão de Santana Lopes, a maioria que atualmente governa é “absolutamente inédita” e que significa o “colapso das ideologias”. No fundo, argumenta, a esquerda que estes partidos representam “deixou de meter medo”.

“Tudo isto hoje em dia está posto em causa. O PPD/PSD e o CDS-PP têm atualmente uma grande tarefa de aprofundamento da sua ideologia do seu programa e daquilo que têm para apresentar aos portugueses”, considera.

Sobre os eventuais riscos desta estratégia de diálogo, Santana Lopes reconhece que existe a possibilidade de perder eleitorado centro-direita. Considera que Rui Rio “está a privilegiar ir buscar eleitorado ao PS, ao centro esquerda, beneficiando da colagem do PS dos partidos à sua esquerda”. No entanto, considera que tudo é possível. “Com Cavaco Silva, o PSD funcionava com catch-all party. Isso não impediu que fosse à procura da maioria absoluta”.
Elina Fraga. "Não quero contribuir para o alarido"
Sobre a polémica que envolve uma das vice-presidentes de Rui Rio, Santana Lopes diz que importa sobretudo esclarecer se a antiga bastonária da Ordem dos Advogados “vai ter responsabilidades especiais na área da justiça” e saber “se valoriza devidamente os últimos anos de trabalho da justiça portuguesa”, nomeadamente no Ministério Público enquanto autoridade de investigação.

Assume que a questão possa ser “desagradável” para antigos membros do Governo de Pedro Passos Coelho devido à queixa-crime, nomeadamente para a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, mas prefere não alimentar mais a celeuma dos últimos dias.

“Não quero contribuir para esse alarido. Ela é uma mulher com figura de lutadora. Compreendo que haja pessoas no PSD que não tenham gostado, respeito isso. Já me aconteceu várias vezes na vida. Até já me aconteceu ser primeiro-ministro, sair e ter o meu partido a não querer saber das decisões que foram tomadas, e deixarem o engenheiro Sócrates ir por ali fora. Já saboreei isso tudo”, desabafa.
Fernando Negrão será "bom líder parlamentar"
Sobre o grupo parlamentar do PSD, Santana Lopes vê com otimismo a nova liderança de Fernando Negrão, o único candidato às eleições desta quinta-feira.

“Acho que o grupo parlamentar vai ter um bom presidente a partir de amanhã. (…) Ele é um pacificador e ao mesmo tempo é um lutador. Vamos ter aí uns combates duros com António Costa”, prevê.

Santana Lopes lembra que Fernando Negrão foi ministro no Governo que liderou em 2004 e que foi o deputado escolhido pelo PSD para ocupar a presidência da Assembleia da República, em 2015, acabando por ser ultrapassado pelo candidato apoiado pela “geringonça”, Eduardo Ferro Rodrigues.
"Défice de convicções"
Para o antigo primeiro-ministro e ex-candidato à liderança do PSD, as questões sociais e problemas no acesso à saúde são prioritários. Recorda o problema da descentralização de equipamentos de radioterapia, com que se deparou quando chegou ao Governo, ou a situação “dramática” dos idosos com que conviveu de perto nos últimos seis anos, em que foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Em termos ideológicos e questões de família, Santana Lopes expõe o que considera ser “uma ditadura moral da extrema esquerda”, que entende merecer “uma demarcação e a demonstração de alternativa por parte do PPD/PSD”, nomeadamente com a rejeição clara de “propostas um pouco experimentalistas em matérias que devem merecer cautela e prudência”.

Nesse sentido, entende que o partido não deve optar pela liberdade de voto generalizada, mas antes pelo reconhecimento do direito à objeção de consciência, em defesa dos valores da família. “Há um défice de convicções na direita ou no centro direita. (…) A esquerda defende-as afincadamente, a direita ou vai atrás ou cala-se”, refere.
"Ele andou um ano e meio a preparar-se"
Sobre o futuro de Pedro Passos Coelho, Santana Lopes acredita que o antigo líder tem “todas as condições” para regressar à política e dá o seu próprio exemplo. “Já me decretaram a morte política para aí 28 vezes”, atira o ex-candidato, que garante que vive de forma razoável com a derrota. “A política é um serviço”, acrescenta.

Perante as sucessivas derrotas no partido, Santana Lopes admite que fica “desapontado” e “desiludido” com os resultados, mas explica que nunca foi “de aparelho” e que não se trata de desorganização das suas candidaturas.

“Eu tenho esta mania, e se calhar são os contras do sá carneirismo, e acredito muito na força das convicções”, afirma.

Num comentário à candidatura vencedora de Rui Rio, Santana Lopes desabafa: “Ele andou um ano e meio a preparar-se, se eu andasse um ano e meio a preparar-me não sei como seria. Mas não é essa a massa de que sou feito”.

“Eu não estava a contar ser candidato a líder, eu estava muito bem como provedor da Santa Casa, foi uma grande mudança”, assume. Diz que não se arrepende da decisão de abandonar o cargo, mas assume que tem “saudades”.
Regresso ao Parlamento Europeu?
De volta à advocacia depois da derrota perante Rui Rio, Santana Lopes promete que estará para “breve” o regresso ao comentário político na televisão.

Não se vê no papel de futuro candidato do PSD ao Parlamento Europeu, onde já esteve durante um dos Governos de Cavaco Silva.

“Eu gosto é do trabalho executivo. O Parlamento Europeu na altura era muitos votos, muita conversa. Não gostei, com toda a franqueza. Não faz parte dos meus planos”, afirma.

No entanto, não descarta totalmente essa hipótese para o seu futuro a admite a possibilidade "se quem for líder do partido me convencer", brinca.

Para além do PSD e da Santa Casa da Misericórdia, Pedro Santana Lopes também já liderou um dos principais clubes portugueses. Questionado sobre a atual situação que se vive no Sporting, onde foi presidente entre 1995 e 1996, diz que as declarações fazem parte "do carnaval do futebol", à margem do que considera serem bons resultados financeiros e desportivos.

Como simpatizante, considera que Bruno de Carvalho tem feito “um bom trabalho no plano desportivo”, que tem “a sua maneira de ser”. Depois de um fim de semana farto em declarações polémicas, considera que “os ânimos estão a serenar” e que “o bom senso vai imperar”.

“Quanto às medidas restritivas da liberdade, ninguém gosta. Ele que gosta de dizer tudo o que lhe apetece sabe que a liberdade é um bem ótimo”, aponta.

Sobre a hipótese de clube vir ser campeão de futebol ainda este ano, Santana Lopes acredita que é possível. “No futebol não é a mesma coisa que na política, onde convivo bem quando ganho ou quando perco. No futebol tem de se ganhar mesmo”, remata.
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