Vieira da Silva reconhece "posição de particular sensibilidade” face à Raríssimas

por Carlos Santos Neves - RTP
“Tenho a perfeita consciência de que o facto de ter, como muitos outros, apoiado como cidadão, depois de ter exercido funções governativas, aquela instituição, me coloca numa posição de particular sensibilidade” Manuel de Almeida - Lusa

Ouvido esta segunda-feira na Assembleia da República sobre a Raríssimas, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social admitiu ter “perfeita consciência” de estar em “posição de particular sensibilidade” por causa do apoio que deu “como cidadão” à associação. Vieira da Silva reafirmou, por outro lado, que não colheu “nenhum benefício” da “passagem temporária” por esta Instituição Particular de Solidariedade Social.

“Tenho a perfeita consciência de que o facto de ter, como muitos outros, apoiado como cidadão, depois de ter exercido funções governativas, aquela instituição, me coloca numa posição de particular sensibilidade”, reconheceu o governante, durante a resposta a perguntas da deputada do PSD Clara Marques Mendes.Vieira da Silva foi questionado em audição parlamentar sobre as denúncias de má gestão da Raríssimas – Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras.


“Tenho toda a consciência disso, não tenho nenhuma dúvida”, reforçou.

A deputada social-democrata questionou o titular da pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a rapidez de reação do seu gabinete a uma denúncia sobre a Raríssimas, tendo em conta que Vieira da Silva integrou os corpos sociais desta entidade. Isto para evitar suspeitas.

O ministro argumentou que, na reportagem da TVI que desencadeou a polémica, não foram tratados factos que constassem da denúncia remetida em outubro ao seu gabinete - pela mão do antigo tesoureiro da associação - e posteriormente reencaminhada para o Instituto de Segurança Social.

O antigo tesoureiro, continuou Vieira da Silva, denunciou que não lhe haviam chegado informações devidas sobre a instituição, pelo que foi solicitada uma fiscalização.

“O que chegou ao meu gabinete prende-se exclusivamente com esta situação. Em nenhum momento, se existisse por parte deste ou qualquer membro da Raríssimas, informação sobre gestão danosa e aproveitamento pessoal, nunca nos foi comunicada nesses ofícios”, disse.
“Algo excecional”

Ao intervir perante os deputados, o ministro quis afiançar que o papel que desempenhou na Raríssimas “é de facto algo excecional”.

“Em toda a minha vida pública, que tem cerca de 20 anos, nunca aceitei um convite para fazer parte de uma instituição”, fez notar Vieira da Silva, para acrescentar que tem “bem a noção de qual é a responsabilidade de um titular de cargos públicos antes, durante e depois de os exercer”.

“Conheci o trabalho da instituição, assisti e participei no nascimento das suas respostas sociais, conhecia os objetivos do seu trabalho e foi-me apresentado um quadro de responsáveis que me garantia isenção e qualidade na gestão daquela instituição”, acentuou.

“Nunca ninguém levantou nenhuma dúvida sobre a gestão da instituição, entrei e saí da instituição com a mesma imagem. Nunca entrou no Ministério até agora alguma denúncia de menor qualidade na ação social daquela instituição, nenhuma família de jovens e crianças com doenças raras apresentou uma queixa sobre o desempenho da instituição”, insistiu Vieira da Silva.

A reportagem divulgada a 9 de dezembro pela TVI incidiu em alegadas irregularidades nas contas da Raríssimas, apresentando documentos que põem em causa a gestão da ex-presidente da associação e levantam a suspeita de utilização de fundos para despesas pessoais.

Em entrevista exclusiva emitida na última edição do Sexta às 9, da RTP, Paula Brito e Costa contra-argumentou ser “uma pessoa muito rigorosa” e não “prepotente”. “Não é por umas gambas e dois vestidos que vou fugir”, contrapôs.

O ministro da Segurança Social diria, adiante, que ao ter aceitado apresentar queixa ao Ministério Público sobre suspeitas de irregularidades na delegação do norte da Raríssimas a ex-presidente da associação ficou sujeita a escrutínio.

Na mesma entrevista à RTP, Paula Brito e Costa indicou ter comunicado em junho deste ano a Vieira da Silva suspeitas de que a antiga vice-presidente da associação Joaquina Teixeira teria desviado fundos, apresentando resultados de uma auditoria à delegação norte que destapou irregularidades num montante de mais de 270 mil euros.

“O facto de a presidente da instituição me relatar aqueles factos e aceitar a minha sugestão de que fossem enviados para o Ministério Público, só naquele momento, credibilizou aquela acusação suspeita”, afirmou Vieira da Silva perante a comissão parlamentar do Trabalho e da Segurança Social.
“Nenhum benefício”
No início da audição desta segunda-feira, o ministro do Trabalho voltou a sublinhar que não retirou “qualquer benefício pessoal ou material” da sua passagem pela Raríssimas, que, frisou, “não foi alvo de nenhum favorecimento”. Classificou, adiante, como “assunto complexo” o caso que envolve a instituição.

Vieira da Silva isolou três pontos que considera fundamentais. O primeiro prende-se com as funções de vice-presidente da assembleia geral da Raríssimas, que assumiu de 2013 a 2015. Período em que aprovou as contas da associação: “Tendo eu, como é público, participado num dos órgãos estatutários da Raríssimas durante dois anos, gostaria de reiterar que não retirei qualquer benefício pessoal ou material dessa participação nesse órgão”.

O segundo ponto recai na relação entre o Ministério da tutela e a Raríssimas: ”A Raríssimas não foi alvo de nenhum favorecimento especial, particular, discriminatório quanto à forma como são tratadas as instituições de solidariedade”.

“Não considero que tenha havido qualquer negligência da minha parte ou de qualquer membro do meu gabinete no tratamento de eventuais denúncias que tenham chegado aos nossos gabinetes nesta área governativa”, rematou.

Num dos momentos mais marcantes da audição, o deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro mostrou uma fotografia a ilustrar o alegado momento da assinatura, por parte de Vieira da Silva, de um protocolo entre a “Fundação Raríssimas”, entidade que não tem esse estatuto, e a fundação sueca Agrenska.



Mas o ministro afiançou sempre que “não houve nenhuma assinatura de protocolo”.

A RTP teve acesso a uma cópia digitalizada do protocolo entre a Raríssimas e a Agrenska. Deste documento não consta a assinatura de Vieira da Silva.
Casa dos Marcos
Foi igualmente António Carlos Monteiro quem questionou o ministro sobre um outro dado da entrevista de Paula Brito e Costa ao Sexta às 9: a relação aparentemente privilegiada entre o gabinete de Vieira da Silva e a ex-presidente da Raríssimas.

“Quantas mais instituições o senhor ministro chamou às oito da manhã ao seu gabinete para comunicar que iam receber meio milhão de euros?”, perguntou o deputado do partido de Assunção Cristas.

Ao que o governante respondeu que os 427 mil euros atribuídos à construção da Casa dos Marcos tiveram, “nos termos da legislação”, o enquadramento do Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES), para acrescentar que a verba foi mesmo “significativamente inferior aos apoios” do mesmo mecanismo durante “vários anos”.

“Face à impossibilidade de a instituição desenvolver aquele equipamento com um financiamento público dessa dimensão, foi celebrado um protocolo público entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Associação Raríssimas. Mesmo assim, ficou muito abaixo do montante global de investimento”, explicaria o ministro.

“Ao todo, os apoios públicos e da Misericórdia de Lisboa, que eu tenha conhecimento, foram de 2.100 milhões de euros, o que compara com um investimento que ultrapassa quatro milhões. É uma relação semelhante àquela que aconteceu na generalidade do programa PARES”, concluiu.
“Estava tranquilo e continuo tranquilo”
Já depois da audição parlamentar, questionado pelos jornalistas, Vieira da Silva mostrou-se convicto de que ficou “esclarecido o que havia para esclarecer”, pondo de parte o cenário de demissão.

“Esta audição serviu para esclarecer os senhores e senhoras deputados e os portugueses sobre o que foi sendo dito ao longo desta semana. Julgo que esclareci tudo o que havia para esclarecer”, sustentou o responsável.

“Antes estava tranquilo e continuo tranquilo. Não estou tranquilo sob o ponto de vista desta instituição”, rematou.

c/ Lusa
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