Costa esmagou Seguro nas primárias socialistas: e agora?

por Christopher Marques, RTP
Hugo Correia, Reuters

Os militantes e simpatizantes do Partido Socialista deram no domingo uma vitória esmagadora a António Costa. “O PS escolheu o seu candidato a primeiro-ministro, está escolhido. Ponto final”, declarava um António José Seguro demissionário. É preciso agora avançar para eleições diretas e para um congresso extraordinário. A escolha está selada, mas até Costa ser oficialmente líder do maior partido da oposição vai muito mais do que um sinal de pontuação.

Ainda não eram 21h00 quando António José Seguro se dirigiu ao púlpito do Largo do Rato. Não se conheciam as palavras que iria dirigir, mas o teor das mesmas era previsível. Assim o indicavam os resultados provisórios e o ambiente sóbrio que se fazia sentir no quartel-geral do PS. “Compareço perante vós para cumprir a minha palavra: Cesso hoje as funções de Secretário-Geral do Partido Socialista”, anunciava António José Seguro.

Sem surpresas, a vitória de António Costa conduzia à demissão de Seguro e criava um vazio de poder na estrutura oficial socialista. Embora seja consensual que o resultado alargado conseguido por Costa lhe traz uma grande legitimidade, este não lhe atribui oficialmente o cargo de secretário-geral. António Costa é, por agora, “apenas” o candidato do Partido Socialista ao cargo de primeiro-ministro. Respeitando os estatutos do partido, serão precisos, pelo menos, dois meses e talvez um novo duelo eleitoral até que seja o líder oficial do PS.

Pedro Nunes, EPA
Foto: Lusa

A necessidade de cumprir os estatutos foi já anunciada pela presidente do PS. Maria de Belém é, depois da demissão de Seguro, a responsável pela gestão da estrutura socialista. Será ela que irá convocar eleições diretas e um congresso extraordinário, seguindo à risca o estabelecido pelas regras em vigor.

“Cumpriremos rigorosamente os estatutos e tentaremos fazer com que o calendário seja cumprido no mais curto espaço de tempo possível. Porque penso que é bom para o partido socialista e é bom para o país”, anunciou Maria de Belém.
Sessenta dias para o Congresso
A demissão do secretário-geral leva à necessária convocação de um congresso extraordinário do partido. O congresso deverá ser convocado com sessenta dias de antecedência, e antecedido de eleições diretas para o cargo de Secretário-Geral

Para Maria Flor Pedroso, editora de Política da Antena 1, é ainda cedo para marcar datas no calendário. Só na terça-feira a comissão política do partido irá reunir e se saberá exatamente como o processo será conduzido.

Só nos próximos dias se perceberá o que realmente serão estas eleições diretas. Se serão apenas um ato formal de oficialização de António Costa enquanto líder, sem a apresentação de listas concorrentes, ou se funcionará como uma segunda volta destas primárias, com a apresentação de uma candidatura dos apoiantes de Seguro.

No entanto, esta segunda hipótese perdeu força com a esmagadora vitória conseguida por Costa. João Soares era um dos nomes avançados para concorrer às diretas, mas já rejeitou qualquer intenção de ser candidato.

Não havendo uma candidatura dos apoiantes de Seguro, há ainda a possibilidade de nomes próximos do ex-secretário-geral serem incluídos à equipa de António Costa. Um ato que seria um sinal de união do partido, depois de umas eleições especialmente fraturantes. O esforço de reconstrução da unidade socialista esteve bem presente no discurso de vitória de António Costa, quando defendeu que ninguém saiu derrotado destas eleições.

“Estas eleições não foram a derrota de ninguém mas a vitória de todos os militantes e simpatizantes do Partido Socialista”, insistiu o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
A equipa de Costa
A vitória de António Costa vai representar um novo capítulo na vida do Partido Socialista. Um capítulo que começou ontem mesmo, com a demissão do líder parlamentar e que será marcado por novos protagonistas. Sem surpresas, Alberto Martins, que tinha sido um feroz apoiante de Seguro, disse não estar “disponível para continuar na presidência do grupo parlamentar”.

O novo líder parlamentar do PS terá uma importância reforçada e terá maior protagonismo do que tinha Alberto Martins. Tudo porque António Costa não tem assento parlamentar e necessita de um verdadeiro braço-direito, que seja o seu rosto no Parlamento e assegure a oposição ao governo, em especial, ao primeiro-ministro durante os debates quinzenais.

Miguel A. Lopes, Lusa
Foto: Lusa

Ao nomear o seu representante no Parlamento, António Costa tem duas hipóteses. Se Costa optar por um político já conceituado e com uma carreira consolidada, poderá apostar em Vieira da Silva, Jorge Lacão ou no eurodeputado Pedro Silva Pereira. Nomes conhecidos e com provas políticas já dadas, mas facilmente associadas aos governos de José Sócrates, algo que António Costa poderá querer evitar. Neste caso, o presidente da autarquia lisboeta poderá apostar num rosto novo. Entre esta nova geração de socialistas, os nomes de Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos, Pedro Delgado Alves e Marco Perestrello são dos mais falados.
“Este é o primeiro dos últimos dias do atual governo…”
Depois da luta interna, é com um líder novo que o Partido Socialista volta a dedicar-se totalmente à oposição ao governo. O objetivo está traçado e esteve bem presente no discurso vitorioso que Costa realizou ontem à noite no Fórum Lisboa. “Este é o primeiro dia de uma nova maioria de governo. Este é o primeiro dos últimos dias do atual governo”, exortou Costa, para quem o PS tem de estar concentrado e ser a “alternativa que Portugal precisa”.

A mudança provocada pela vitória de Costa deverá extravasar o próprio partido e ter efeitos na estratégia do Governo. “Também é um problema para Passos Coelho. Acabou-se a papa doce em termos de líder da oposição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa no seu espaço de comentário semanal. Para o professor, o fim do período de Seguro à frente do PS vai provocar o surgimento de caras novas, acabando com o desgaste das existentes. Defende que o mesmo deveria acontecer no governo, exemplificando com o caso de Paula Teixeira Pinto: “Levar, por exemplo, esta ministra da Justiça mais um ano ao colo, é uma complicação”. Marcelo mencionou ainda os casos de Nuno Crato e Poiares Maduro.

Para além de uma alteração dos protagonistas políticos, há quem peça mudanças mais profundas na estratégia da coligação. Segundo o Diário de Notícias, há já movimentações de bastidores no PSD, de pessoas que não acreditam na capacidade de Passos Coelho vencer as próximas legislativas. A confirmar-se o calendário eleitoral previsto, as legislativas deverão ocorrer em outubro de 2015. Mas a vitória de António Costa promete antecipar o clima de campanha eleitoral.
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