Brexit. Parlamento limita poderes do Governo em caso de saída sem acordo

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
A pressão junto a Westminster está a aumentar, com manifestações diárias a favor e contra a saída do Reino Unido da União Europeia Henry Nicholls - Reuters

A Câmara dos Comuns aprovou uma emenda à Lei das Finanças que irá reduzir alguns dos poderes do Governo britânico no que respeita à tributação, em caso de um Brexit sem acordo. Desta forma, parte dos deputados britânicos quis mostrar à primeira-ministra que não concorda com uma saída da União Europeia sem acordo. Com a votação do Acordo de Saída marcada para terça-feira, o Parlamento britânico retoma esta quarta-feira o debate.

A emenda à Lei de Finanças prevê que o Governo precise da autorização explícita do Parlamento para abandonar a União Europeia sem acordo para poder usar determinados poderes e fazer alterações à lei fiscal após o Brexit. Uma alternativa para continuar a gozar de plenos direitos é fazer um pedido de para prolongar o Artigo 50.

A proposta contou com o voto de 20 deputados do Partido Conservador de Theresa May, incluindo 17 ex-ministros.

Entre os que votaram a favor da limitação dos poderes de Theresa May estão os antigos ministros Michael Fallon, Oliver Letwin, Ken Clarke, Justine Greening, Dominic Grieve, Nicky Morgan e Nick Boles, que revelou ter recebido uma ameaça de morte depois de votar contra o Governo.

Foi a primeira vez em 41 anos que um governo foi derrotado na votação de um projeto de lei financeira, embora Theresa May já tenha aceitado outras emendas sem oposição.

"Este voto é um passo importante para evitar um Brexit sem acordo, Mostra que não existe maioria no Parlamento, no Gabinete ou no país para sair da União Europeia sem um acordo", disse o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn.

Em reação, o porta-voz de Downing Street minimizou o impacto da votação. “Esta emenda não muda o fato de que o Reino Unido abandonar a União Europeia a 29 de março e não vai impedir o Governo de cobrar impostos", declarou.

"Vamos trabalhar com o Parlamento para garantir que o sistema tributário funcione sem problemas em todos os cenários do Brexit", acrescentou.

A votação na Câmara dos Comuns sobre o acordo de saída negociado por Theresa May com Bruxelas está marcada na próxima terça-feira, dia 15 de janeiro.

A 79 dias da saída, o acordo do Brexit é novamente objeto de um ciclo de cinco dias de debate no Parlamento britânico. O debate é retomado esta quarta-feira, com o ministro do Brexit, Stephen Barclay, a dar início aos trabalhos.

A pressão junto a Westminster está a aumentar, com manifestações diárias a favor e contra a saída do Reino Unido da União Europeia. Apesar de estarem em desacordo dentro do Parlamento, os deputados concordam que o ambiente no exterior é "intimidatório".
Nova emenda dá três dias a May
Antes de o debate recomeçar, os deputados vão tentar aprovar uma nova emenda que obriga a primeira-ministra a apresentar uma alternativa ao seu acordo dentro de três dias após a votação na Câmara dos Comuns.

O jornal The Guardian avança que a emenda propõe, caso o atual documento seja rejeitado – um cenário muito provável -, que “um ministro da coroa deverá apresentar dentro de três dias uma moção… relativa ao processo de saída da União Europeia ao abrigo do Artigo 50”.

A emenda é uma iniciativa do conservador Dominic Grieve e já recebeu o apoio dos antigos ministros conservadores Oliver Letwin, Jo Johnson, Guto Bebb e Sam Gyimah, bem como dos deputados trabalhistas Stephen Doughty and Chris Leslie.

Atualmente o Governo tem 21 dias para regressar ao Parlamento com novas propostas. O speaker da Câmara dos Comuns está a ser alvo de críticas por ter aceitado levar a proposta a votação, de acordo com o Telegraph.

O jornal acrescenta que esta iniciativa faz parte de uma guerrilha interna conservadora para evitar uma saída da União Europeia sem acordo e "atar as mãos" de Theresa May de modo a dar mais poderes ao Parlamento caso perca a votação do acordo do Brexit.

Em princípio, se o Acordo de Saída não for aprovado em Westminster até final de março, o Reino Unido abandona o bloco europeu desregradamente - apesar da intensificação dos trabalhos para preparar planos de contingência. 
Ministros rejeitam prolongar Artigo 50
Dois dos mais importantes ministros do executivo de Theresa May vieram refrear os ímpetos dos deputados e sublinhar a realidade dos factos.

Por um lado, tanto como o Governo como Bruxelas mantêm a posição sobre o Acordo de Saída: o documento em votação é o único possível e não será alterado mesmo em caso de rejeição na próxima semana.

“Não penso que o público britânico acredite em fantasias sobre acordos mágicos e alternativos que, de alguma forma, saltem do armário em Bruxelas", afirmou o ministro David Lidington, em entrevista à rádio BBC. "Este acordo na mesa envolveu algumas dificuldades muito difíceis em ambos os lados", acrescentou.

Por outro, o Governo de Theresa May não está a considerar prolongar o Artigo 50, garante o ministro do Brexit, Stephen Barclay.

Em entrevista ao programa BBC Today, o ministro foi questionado três vezes se desmentia uma notícia do jornal Telegraph, que dava conta que os britânicos estavam a "testar" em Bruxelas a possibilidade de pedir o prolongamento do Artigo 50. "Sim, posso ser muito claro que a política do governo é deixar [a UE] a 29 de março", respondeu.

O debate no Reino Unido continua centrado em torno de possíveis garantias que a primeira-ministra poderia tentar obter da União Europeia, bem como das eventuais cedências de Bruxelas para aumentar as hipóteses de Theresa May fazer aprovar o acordo. A resposta de Bruxelas continua a ser a mesma: nenhuma.

“Compete ao Reino Unido pedir concessões, não à União Europeia oferecê-las proactivamente”, declarou à publicação Politico um diplomata que não foi identificado.

Se a primeira-ministra não apresentar medidas ou concessões de última hora é quase certa a rejeição do Acordo de Saída, e da declaração política para a futura relação com a União Europeia, na próxima terça-feira.

Theresa May conta com oposição dentro do seu próprio partido e do Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte, cujos deputados apoiam o seu Governo.
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