Bruxelas admite "pedir a Itália um outro Orçamento"

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
O ministro italiano e o comissário europeu estiveram reunidos quinta-feira em Roma Max Rossi - Reuters

A Itália vai manter a proposta de Orçamento para 2019, apesar das dúvidas da Comissão Europeia, mas promete atuar caso falhem as previsões para a dívida e o défice. Bruxelas considera que as contas apresentadas por Roma não respeitam as regras da Zona Euro e promete encetar um “diálogo construtivo”. No máximo, Bruxelas poderá “pedir a Itália que volte a apresentar um outro Orçamento”, o que seria uma medida inédita.

O orçamento italiano não cumpre as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas foi uma opção do Governo para estimular o crescimento económico, explicou o ministro italiano da Economia e Finanças.

"(O orçamento) foi uma decisão difícil, mas necessária, tendo em vista o atraso da Itália em alcançar os níveis pré-crise do PIB e as desesperadas condições econômicas em que os cidadãos mais desfavorecidos se encontram", escreveu Giovanni Tria.

"O governo acredita que o que explicou seja suficiente para esclarecer a configuração de seu orçamento e que a lei (fiscal) não coloque em risco a estabilidade financeira da Itália ou de outros países membros da UE", acrescentou.

É a resposta de Itália às questões do comissário europeu dos Assuntos Económicos, que foi a Roma entregar uma carta de Bruxelas com as dúvidas da Comissão em relação ao projeto de orçamento italiano. Este orçamento prevê uma derrapagem que "não tem precedentes na história do Pacto de Estabilidade e Crescimento", escreveu a Comissão Europeia.

Esta segunda-feira, em entrevista à rádio France Inter, Pierre Moscovici garantia que “a Comissão Europeia não quer uma crise entre Bruxelas e Roma”. Por isso, o que vai ser tido em conta “é o espírito da sua resposta: se se inscreve ou não nas regras europeias”, declarou o comissário europeu dos Assuntos Económicos.

“Quando fui a Roma, não era para anunciar decisões, era para fazer colocar questões” sobre o défice estrutural do país, a elevada dívida pública e a necessidade de fomentar o crescimento económico, explicou durante a entrevista. A comissão vai debater as respostas de Roma esta terça-feira.

“Quando se é um Estado-membro da União Europeia e membro da moeda única, da Zona Euro, deve-se respeitar um conjunto de regras comuns”, lembrou Pierre Moscovici, que não deu prazos sobre os futuros procedimentos de Bruxelas.

O comissário europeus dos Assuntos Económicos garante estar imbuído “de um espírito de diálogo construtivo", que não inclui qualquer interferência no Orçamento de Roma.
"Um outro orçamento"
O "máximo" que pode ser feito é "pedir a Itália que volte a apresentar um outro orçamento, que leve em conta as observações e outras questões, o que a Comissão Europeia nunca fez”, declarou Piere Moscovici à rádio France Inter.

"Mesmo isso não seria o fim da história", disse, para depois sublinhar que o atual orçamento italiano vai aumentar o défice estrutural em 0,8 pontos, para 2,4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) em vez de diminuir 0,6 pontos (para 1,8 por cento do PIB).

“A Comissão Europeia considera que o lugar da Itália é no coração da Europa e da Zona Euro, não fora. Então temos de nos assegurar que isso é respeitado e que a Itália respeite a Europa”, acrescentou.

Roma justifica o aumento da despesa pública com a necessidade de cumprir promessas eleitorais.

A dívida pública italiana, que já atingiu os 132 por cento do PIB, é para Moscovici outro elemento a ter em conta, já que tende “a aumentar" porque as hipóteses de crescimento não são credíveis.

O primeiro-ministro italiano defende as previsões de crescimento de 1,5 por cento para 2019, apontadas como demasiado otimistas pelos analistas, que preveem uma subida de um por cento. "Estamos convencidos que não inflacionámos os números", garante Giuseppe Conte.

Pierre Moscovici entende que as políticas sociais defendidas pelos responsáveis italianos "são compatíveis" com o respeito pelas regras da Zona Euro. “Concebo que num país onde existam seis milhões de pobre adotemos políticas contra a pobreza (…) mas todas essas políticas deve sem compatíveis com os imperativos", disse.

“A Itália pode fazer a sua política orçamental mas respeitando as regras comuns a todos os países nos últimos 10 anos”, sublinhou.

Moscovici confessa, no entanto, que não gosta da expressão "orçamento do povo" utilizada pelo governo italiano, por entender que "um orçamento que aumenta a dívida não é um orçamento para o povo".
Itália sem vontade de sair da UE ou Zona Euro
Esta segunda-feira, a Bolsa de Milão abriu em alta, a subir 1,72 por cento situando-se nos 19.407,91 pontos.

Depois de no sábado, o vice-primeiro-ministro Luigi Di Maio ter assegurado que o Governo italiano não deseja abandonar a moeda única, veio dizer que está pronto para debater as metas orçamentais com os parceiros europeus.

"Não há qualquer vontade de sair da União Europeia ou da moeda única. Estamos bem na UE", disse no sábado o também vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, antes de ceder a palavra a Di Maio, que assinalou que, "enquanto o Governo durar, não haverá intenção de sair da UE ou da zona euro".

As declarações dos dirigentes italianos foram feitas depois de a agência de notação financeira Moody's ter revisto em baixa, na sexta-feira à noite, a nota de Itália, passando-a de "Baa2" para "Baa3", o último nível da categoria de investimento.

"O mais importante é explicar o orçamento aos nossos interlocutores europeus", sublinhou o primeiro-ministro, Giuseppe Conte. "O clima que temos na Europa é um clima de diálogo e disponibilidade e reiteramos que estamos confortáveis na Europa", acrescentou.
Desacordo nas ideias políticas
Pierre Moscovici, antigo ministro francês das Finanças e que no início do seu percurso político foi membro da Liga Comunista Revolucionária, de orientação trotskista, garante separar as ideias políticas dos líderes italianos das do Governo, que respeita.

“(O vice-primeiro-ministro Matteo) Salvini não é meu amigo. Posso combater Salvini enquanto líder partidário, posso lutar contra as suas ideias. Posso considerar também que pertence à ala da democracia iliberal. Afinal de contas ele é amigo de (Marine) Le Pen, não esqueçamos isso” declarou.

“Combato a Frente Nacional e a Liga num nível apolítico, mas respeito o Governo italiano. Mas ele também deve respeitar as regras europeias”, acrescentou. “É o respeito mútuo que nos permite avançar nesta Europa tão diversa”, concluiu.

O comissário europeu dos Assuntos Económicos considera que está em curso “um desafio dos populistas, um perigo existencial para a Europa”.

Para o comissário, as próximas eleições europeias serão marcadas pela clivagem “entre os que acreditam na Europa e os que não acreditam, mas isso não basta, haverá também um debate entre a esquerda e a direita, entre diferentes visões da União Europeia”.

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