Para abrir um novo ano no “Gramofone”, a viagem é à obra de Fernando Lopes-Graça, que já aqui passou antes. Desta vez, estamos um mês exacto depois do “dia inicial inteiro e limpo”, como Sophia de Mello Breyner Andresen chamou ao 25 de Abril de 1974. No Coliseu dos Recreios, a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos organizava um concerto em que tudo parecia novidade e os ânimos por vezes se exaltavam - como aconteceu noutro momento da actuação, também preservado nos Arquivos da RTP. O Coro da Academia de Amadores de Música estava aliás aqui na sua primeira grande apresentação pública, tendo sempre ao seu leme até ao final dos anos 80 o próprio compositor.

Em 1946, Fernando Lopes-Graça iniciava o ciclo das “Canções Heróicas”, anunciadas como sendo “compostas em estilo singelo para recreação da gente nova portuguesa”. Desdobrando-se por vários cadernos, que continuariam depois de 1974, estas cantigas não eram vistas com bons olhos pelo Estado Novo, que chegava aliás a “temer” a própria música instrumental do compositor. A carga denunciadora de parte significativa da sua obra está naturalmente bem patente neste ciclo de canções, onde o compositor pega em poemas de diversos autores portugueses e até estrangeiros e os transforma em hinos com maior ou menor impacto popular. Ao lado de “Acordai”, também com palavras de José Gomes Ferreira, esta “Jornada” continua a ser cantada hoje em dia por diversos coros, em actuações ou manifestações públicas, e naturalmente em momentos informais. Foi aliás desta última forma que muitas destas canções chegavam a mais mentes e ouvidos, fazendo delas verdadeiras canções de protesto bem antes do surgimento do movimento homónimo no seio da canção popular portuguesa no início da década de 60.

Em disco, esta “Jornada”, conheceria uma primeira gravação comercial no LP “Canções Portuguesas”, registado pela cantora Luísa Basto na então União Soviética em 1967. Com acompanhamento da Orquestra Ecran Azul, esse álbum (editado ainda em disco de 10 polegadas) juntava outra canção de Lopes-Graça (“Clamor”, com poema de José Ferreira Monte), sendo todo o restante repertório da autoria de Manuel Teixeira Ruela - com a única excepção de “Avante Camarada”, da autoria de Luís Cília. Logo depois do 25 de Abril, sai então a primeira gravação portuguesa desta canção, no histórico LP “Canções Heróicas - Canções Regionais Portuguesas”, com interpretação precisamente do Coro da Academia de Amadores de Música e direcção de Fernando Lopes-Graça, estando Olga Prats ao piano. Após algumas outras gravações, seria Carlos Alberto Moniz a incluir “Jornada” no seu álbum “Resistir de Novo”, de 2014, celebrando assim os 40 anos de Abril.