Crônica de Natal
Lélia Pereira Nunes
Por minutos, que me pareceram uma eternidade, fiquei silenciosa segurando uma antiga bola de Natal, rósea, brilho esmaecido, frágil com uma singela magnólia branca pintada. Estou só no meio da sala tentando montar e enfeitar a nossa árvore. Na verdade, há dez dias estou neste “chove e não molha”. Um vazio enorme e o sentimento sufocante do ato solitário não me deixam avançar na tradicional tarefa, ornamentando e envolvendo cordões de pequeninas lâmpadas “pisca-pisca” no pinheiro para cintilarem, suavemente, tal qual vagalumes em noites de verão.
Estou a ponto de desistir de tudo. Relanceio o olhar sobre as caixas a minha volta cheias de enfeites colecionados ao longo dos anos. As lágrimas temperadas de saudade teimam lavar a cara. Como é duro superar a partida do companheiro que, por quase 50 anos, foi parte de sua vida. Tudo mudou. Nem o meu estado civil é o mesmo. Não há mais “Nós”, apenas “Eu”.
Espanto a tristeza e volto às bolas e enfeites de Natal espalhados pelo chão, o pinheiro para montar e um velho presépio para armar como manda a tradição, sem a figura do Menino Jesus que será entronizada na Noite Santa e os Reis Magos a seis de Janeiro. Uma manifestação cultural cultuada no seio da família com benditos em louvor "ao Menino-Deus nascido, que no ventre de Maria nove meses andou escondido", consagrados pela tradição popular. A festa mesma só começava no Dia de Santos Reis, quando os “Ternos de Reis” ganhavam as ruas, cantando de casa em casa, a chegada do Menino Salvador do Mundo. Aliás, a primeira notícia sobre a celebração do Natal e Ano Novo em Desterro foi publicada no Jornal “O Mercantil” na edição de 1° de Janeiro de 1868.
Enfim, começo enfeitar a nossa Árvore de Natal de2016.
As bolas antigas, de vidro, pertenceram à minha mãe. Alguns enfeites são do nosso primeiro Natal, em 1970. Outros, por seu significado cultural e arte trouxemos das muitas viagens, como as bolas pintadas à mão de Amsterdam e Heidelberger, a guirlanda de Viena, a pesanky de Budapeste ou a lapinha e o Menino Jesus dos Açores. Vasculho reminiscências de outros natais. Sem me dar conta, estou revisitando a nossa história de vida ao longo de quarenta e seis anos. Uma espécie de memory revival trazendo intensas fatias da vida vivida ou uma coleção de momentos. Lembranças indeléveis que a memória deixa fluir em visões do tempo.
Não é preciso acrescentar mais nada, apenas deixo sequestrar o meu coração, mergulho no espírito natalino que o tempo aproxima e trato de acreditar que esta é a minha nova fórmula de felicidade. Oxalá pela vida afora!
Do Poema de Natal de Vinicius de Moraes recorto um fragmento – “da morte, apenas Nascemos, imensamente”.
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Florianópolis,20 Dezembro de 2016.